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O final do ano chega e, com ele, uma atmosfera de celebração, gratidão e retribuição. Empresas organizam confraternizações, trocam mensagens de agradecimento e, em muitos casos, presentes e brindes se tornam parte desses gestos simbólicos.

No entanto, por trás de algo aparentemente simples, há um tema sensível que exige atenção: até que ponto o presente é um ato legítimo de cortesia e quando ele pode se transformar em um risco ético ou de compliance?

Essa é uma discussão que, ano após ano, ganha relevância à medida que as organizações amadurecem suas práticas de governança e buscam alinhar suas relações com princípios de integridade, transparência e responsabilidade.

O Significado dos Presentes no Contexto Corporativo

Trocar presentes é um gesto humano. É uma forma de expressar reconhecimento, estreitar laços e celebrar parcerias. No ambiente corporativo, isso não é diferente: brindes e lembranças são vistos como instrumentos de relacionamento, e muitas vezes fazem parte da estratégia de comunicação institucional.

Mas a linha que separa a cortesia da influência indevida é tênue. O que começa como um gesto cordial pode, dependendo do valor, da frequência ou do momento em que ocorre, gerar interpretações equivocadas ou até configurar um conflito de interesses.

Por isso, a reflexão sobre o tema é essencial, especialmente em épocas festivas, quando o ambiente é naturalmente mais permissivo.

O Que Está em Jogo: Ética, Percepção e Risco

Mais do que o valor financeiro de um presente, o que está em jogo é a percepção.

Quando alguém recebe algo de um fornecedor, cliente ou terceiro, a pergunta que deve ser feita é simples: “Esse presente tem potencial para influenciar, direta ou indiretamente, uma decisão de negócio?”

Se a resposta for “sim” ou mesmo “talvez”, é preciso cuidado. A ética e o compliance não se baseiam apenas em atos comprovadamente ilícitos, mas também na aparência de irregularidade.

Um presente fora de contexto pode gerar desconforto, questionamentos internos e externos e até comprometer a reputação da empresa e das pessoas envolvidas. Em um ambiente de negócios cada vez mais precisar mais transparente, a percepção pública de integridade vale tanto quanto a integridade em si.

Políticas de Brindes e Presentes: Uma Questão de Governança

É por isso que muitas organizações mantêm políticas formais sobre brindes, presentes, hospitalidades e entretenimento corporativo.

Essas políticas estabelecem critérios objetivos, como:

  • Limites de valor monetário, para evitar excessos ou desequilíbrios nas relações;
  • Situações permitidas e proibidas, definindo o que é aceitável em determinados contextos (por exemplo, brindes institucionais de baixo valor);
  • Necessidade de registro e aprovação, para garantir rastreabilidade e transparência;
  • Regras específicas para o relacionamento com o setor público, onde a legislação brasileira (e de outros países) é clara ao proibir vantagens, mesmo de pequeno valor, a agentes públicos.

A existência de uma política clara não apenas previne riscos, mas também orienta comportamentos e protege colaboradores e a empresa de situações embaraçosas.

Quando o Presente se Torna um Problema

Os riscos relacionados a brindes e presentes variam de acordo com o contexto. Alguns exemplos ajudam a ilustrar:

  • Um gestor recebe um presente de alto valor de um fornecedor poucos dias antes de renovar um contrato.
  • Um colaborador é convidado para um evento de hospitalidade em um resort, oferecido por um parceiro comercial.
  • Um cliente público é presenteado com ingressos para um show ou evento esportivo.

Ainda que em alguns desses casos não haja intenção de corromper ou influenciar, a percepção externa pode ser de favorecimento. Em tempos de maior escrutínio social e regulatório, esses episódios podem gerar ruído interno, dano reputacional e até investigações.

O Papel do Compliance: Prevenir e Educar

O papel das áreas de Compliance e Governança é justamente transformar o tema em diálogo e não em proibição cega.

Mais do que punir, é preciso educar. As pessoas precisam compreender o porquê das regras, não apenas o que elas dizem.

Algumas ações práticas são especialmente eficazes neste período do ano:

  • Campanhas internas de conscientização, relembrando as diretrizes da política de brindes e presentes;
  • Comunicados institucionais do Conselho ou da Diretoria reforçando o compromisso com a integridade nas relações de fim de ano;
  • Canal de dúvidas, para que colaboradores possam perguntar antes de aceitar ou oferecer algo;
  • Orientações específicas para o relacionamento com o setor público e parceiros estratégicos.

Quando a cultura de integridade é fortalecida, as pessoas passam a fazer escolhas mais conscientes e a reputação da empresa se consolida como reflexo desse comportamento.

O Desafio Cultural

Um dos grandes desafios é equilibrar a sensibilidade cultural com a necessidade de controle. Em muitos contextos, a troca de presentes é vista como gesto de respeito e gratidão, e negar ou devolver um presente pode ser interpretado como descortesia.

Por isso, é importante que a política da empresa seja realista e proporcional, considerando os costumes locais, mas sem abrir mão dos princípios de integridade.

Brindes institucionais de pequeno valor, produzidos em escala e sem personalização (como agendas, canetas, ecobags, cafés ou produtos locais) são, em geral, aceitáveis, desde que acompanhados de transparência e moderação.

A chave é evitar situações que possam parecer exclusivas, direcionadas ou vantajosas, especialmente quando há decisões comerciais ou contratuais em curso.

O Fim de Ano Ideal

O período de encerramento do ano é uma excelente oportunidade para reforçar valores, reconhecer esforços e celebrar conquistas coletivas.

O espírito de confraternização é legítimo e o que o compliance propõe é que ele ocorra de forma ética, transparente e equilibrada. Mais do que presentes, o que consolida parcerias e reputações sólidas são relações baseadas em confiança, respeito e propósito comum.

Brindes e lembranças são bem-vindos quando representam o símbolo de algo maior: uma relação construída com integridade.

Conclusão

Presentes e brindes fazem parte da vida corporativa, especialmente no final do ano, quando o desejo de agradecer e celebrar é natural. O que se busca, dentro de uma cultura de governança, é preservar a legitimidade dessas práticas, garantindo que elas nunca comprometam a ética ou a reputação da organização.

Em última análise, o presente mais valioso que uma empresa pode oferecer é a confiança, tanto internamente, quanto aos seus parceiros, clientes e à sociedade.

Assim, ao escolher um brinde ou decidir aceitar um presente, vale sempre lembrar: a integridade é o melhor cartão de visitas que uma empresa pode entregar.