O final do ano chega e, com ele, uma atmosfera de celebração, gratidão e retribuição. Empresas organizam confraternizações, trocam mensagens de agradecimento e, em muitos casos, presentes e brindes se tornam parte desses gestos simbólicos.
No entanto, por trás de algo aparentemente simples, há um tema sensível que exige atenção: até que ponto o presente é um ato legítimo de cortesia e quando ele pode se transformar em um riscoQuantificação e qualificação da incerteza, tanto no que diz respeito a perdas quanto aos ganhos, com relação aos acontecimentos planejados. É um desvio em relação ao esperado. É uma incerteza... ético ou de complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de...?
Essa é uma discussão que, ano após ano, ganha relevância à medida que as organizações amadurecem suas práticas de governança e buscam alinhar suas relações com princípios de integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões., transparênciaÉ o que se pode ver através, que é evidente ou que se deixa transparecer. É a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem pessoal. e responsabilidade.
O Significado dos Presentes no Contexto Corporativo
Trocar presentes é um gesto humano. É uma forma de expressar reconhecimento, estreitar laços e celebrar parcerias. No ambiente corporativo, isso não é diferente: brindes e lembranças são vistos como instrumentos de relacionamento, e muitas vezes fazem parte da estratégia de comunicação institucional.
Mas a linha que separa a cortesia da influência indevida é tênue. O que começa como um gesto cordial pode, dependendo do valor, da frequência ou do momento em que ocorre, gerar interpretações equivocadas ou até configurar um conflito de interessesÉ um conjunto de condições nas quais o julgamento de um profissional a respeito de um interesse primário tende a ser influenciado indevidamente por um interesse secundário..
Por isso, a reflexão sobre o tema é essencial, especialmente em épocas festivas, quando o ambiente é naturalmente mais permissivo.
O Que Está em Jogo: ÉticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral., Percepção e Risco
Mais do que o valor financeiro de um presente, o que está em jogo é a percepção.
Quando alguém recebe algo de um fornecedor, cliente ou terceiro, a pergunta que deve ser feita é simples: “Esse presente tem potencial para influenciar, direta ou indiretamente, uma decisão de negócio?”
Se a resposta for “sim” ou mesmo “talvez”, é preciso cuidado. A ética e o compliance não se baseiam apenas em atos comprovadamente ilícitos, mas também na aparência de irregularidade.
Um presente fora de contexto pode gerar desconforto, questionamentos internos e externos e até comprometer a reputação da empresa e das pessoas envolvidas. Em um ambiente de negócios cada vez mais precisar mais transparente, a percepção pública de integridade vale tanto quanto a integridade em si.
Políticas de Brindes e Presentes: Uma Questão de Governança
É por isso que muitas organizações mantêm políticas formais sobre brindes, presentes, hospitalidades e entretenimento corporativo.
Essas políticas estabelecem critérios objetivos, como:
- Limites de valor monetário, para evitar excessos ou desequilíbrios nas relações;
- Situações permitidas e proibidas, definindo o que é aceitável em determinados contextos (por exemplo, brindes institucionais de baixo valor);
- Necessidade de registro e aprovação, para garantir rastreabilidade e transparência;
- Regras específicas para o relacionamento com o setor público, onde a legislação brasileira (e de outros países) é clara ao proibir vantagens, mesmo de pequeno valor, a agentes públicos.
A existência de uma política clara não apenas previne riscos, mas também orienta comportamentos e protege colaboradores e a empresa de situações embaraçosas.
Quando o Presente se Torna um Problema
Os riscos relacionados a brindes e presentes variam de acordo com o contexto. Alguns exemplos ajudam a ilustrar:
- Um gestor recebe um presente de alto valor de um fornecedor poucos dias antes de renovar um contrato.
- Um colaborador é convidado para um evento de hospitalidade em um resort, oferecido por um parceiro comercial.
- Um cliente público é presenteado com ingressos para um show ou evento esportivo.
Ainda que em alguns desses casos não haja intenção de corromper ou influenciar, a percepção externa pode ser de favorecimento. Em tempos de maior escrutínio social e regulatório, esses episódios podem gerar ruído interno, dano reputacional e até investigações.
O Papel do Compliance: Prevenir e Educar
O papel das áreas de Compliance e Governança é justamente transformar o tema em diálogo e não em proibição cega.
Mais do que punir, é preciso educar. As pessoas precisam compreender o porquê das regras, não apenas o que elas dizem.
Algumas ações práticas são especialmente eficazes neste período do ano:
- Campanhas internas de conscientização, relembrando as diretrizes da política de brindes e presentes;
- Comunicados institucionais do Conselho ou da Diretoria reforçando o compromisso com a integridade nas relações de fim de ano;
- Canal de dúvidas, para que colaboradores possam perguntar antes de aceitar ou oferecer algo;
- Orientações específicas para o relacionamento com o setor público e parceiros estratégicos.
Quando a cultura de integridade é fortalecida, as pessoas passam a fazer escolhas mais conscientes e a reputação da empresa se consolida como reflexo desse comportamento.
O Desafio Cultural
Um dos grandes desafios é equilibrar a sensibilidade cultural com a necessidade de controle. Em muitos contextos, a troca de presentes é vista como gesto de respeito e gratidão, e negar ou devolver um presente pode ser interpretado como descortesia.
Por isso, é importante que a política da empresa seja realista e proporcional, considerando os costumes locais, mas sem abrir mão dos princípios de integridade.
Brindes institucionais de pequeno valor, produzidos em escala e sem personalização (como agendas, canetas, ecobags, cafés ou produtos locais) são, em geral, aceitáveis, desde que acompanhados de transparência e moderação.
A chave é evitar situações que possam parecer exclusivas, direcionadas ou vantajosas, especialmente quando há decisões comerciais ou contratuais em curso.
O Fim de Ano Ideal
O período de encerramento do ano é uma excelente oportunidade para reforçar valorescrenças julgadas corretas em relação a interações com outras pessoas ou empresas., reconhecer esforços e celebrar conquistas coletivas.
O espírito de confraternização é legítimo e o que o compliance propõe é que ele ocorra de forma ética, transparente e equilibrada. Mais do que presentes, o que consolida parcerias e reputações sólidas são relações baseadas em confiança, respeito e propósito comum.
Brindes e lembranças são bem-vindos quando representam o símbolo de algo maior: uma relação construída com integridade.
Conclusão
Presentes e brindes fazem parte da vida corporativa, especialmente no final do ano, quando o desejo de agradecer e celebrar é natural. O que se busca, dentro de uma cultura de governança, é preservar a legitimidade dessas práticas, garantindo que elas nunca comprometam a ética ou a reputação da organização.
Em última análise, o presente mais valioso que uma empresa pode oferecer é a confiança, tanto internamente, quanto aos seus parceiros, clientes e à sociedade.
Assim, ao escolher um brinde ou decidir aceitar um presente, vale sempre lembrar: a integridade é o melhor cartão de visitas que uma empresa pode entregar.
