A Inteligência Artificial (IA) está transformando a medicina, trazendo diagnósticos mais rápidos, tratamentos personalizados e eficiência operacional para hospitais e clínicas. No entanto, seu uso não está livre de riscos jurídicos. Profissionais e instituições de saúde devem adotar medidas preventivas para aproveitar os benefícios da tecnologia sem aumentar a exposição a processos judiciais.
As chamadas IAs generativas já vêm sendo usadas em diversas circunstâncias prometendo (e conseguindo) reduzir o trabalho técnico com eficiência, especialmente pela capacidade de analisar e depurar um grande volume de dados. Na saúde, existem as IAs generativas médicas, cujo banco de dadosSão conjuntos de arquivos relacionados entre si com registros sobre pessoas, lugares ou coisas. São coleções organizadas de dados que se relacionam de forma a criar algum sentido (informação) e... Saiba mais é composto por informações específicas de saúde, resultando num auxílio mais assertivo. Elas vêm auxiliando, por exemplo, em setores de triagem, diagnóstico, prognóstico e tratamento de doenças, além de atuar como um assistente em tarefas corriqueiras como preenchimento de documentos médicos, marketing e atendimento ao público.
A pergunta que fica é: dá pra confiar na ferramenta? E se a IA falhar? Evidentemente que, por lidar com a saúde humana, uma falha nesse instrumento pode acarretar consequências graves que podem demandar responsabilidades. E é aí que entra a principal implicação de todos os envolvidos: médicos, clínicas e hospitais e/ou desenvolvedores.
Ainda que o marco regulatório da IA (PL n. 2338/23) esteja em tramitação no Brasil, existem normas atuais capazes de estabelecer responsabilidades civis, éticas e penais.
O médico, usuário final dessa tecnologia, precisa observar basicamente dois princípios: o respeito ao sigilo dos dados dos pacientes e a sua responsabilidade pela conduta orientada por IA. Esse profissional permanece, pois, sendo o responsável pelas decisões clínicas, devendo validar ou refutar os resultados gerados por algoritmos, mantendo um diálogo esclarecido e consentido com o paciente. A falta desses cuidados pode acarretar danos, que serão investigados e punidos na esfera cível, criminal e/ou éticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral. Saiba mais. Em última análise, a ferramenta de IA deve ser usada sempre sob um juízo crítico.
Clínicas e hospitais também precisam agir com cautela. A escolha de softwares regulamentados, a capacitação das equipes e a documentação detalhada das decisões assistidas por IA são essenciais para evitar responsabilização. Instituições que implementam tecnologias não certificadas ou falham na supervisão adequada, podem responder por danos sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor.
Já os desenvolvedores de IA enfrentam desafios regulatórios, como a necessidade de comprovar a segurança e eficácia de seus sistemas perante a ANVISAAgência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA): órgão responsável por fiscalizar normas e procedimentos ligados à saúde, por meio do controle da produção de produtos, serviços e ambientes.... Saiba mais, além de garantir conformidade com a LGPDLei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 12.709/2018): Lei Brasileira que visa garantir a proteção e a privacidade de dados pessoais. Equivalente a GDPR que é o regulamento europeu... Saiba mais. Algoritmos opacos ou com vieses não detectados podem levar a erros médicos e, consequentemente, a ações judiciais contra as empresas criadoras, solidariamente responsáveis.
Para reduzir riscos, é fundamental adotar soluções com respaldo científico, manter registros claros de todas as interações mediadas por IA e realizar auditorias periódicas nos sistemas. O equilíbrio entre inovação e complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... Saiba mais jurídico permitirá que a medicina aproveite todo o potencial da inteligência artificial, que promete revolucionar o setor, sem descuidar da segurança do paciente ou dos profissionais e instituições de saúde envolvidos.
A IA veio para ficar e seu uso responsável é o melhor caminho para evitar litígios enquanto se promove uma saúde mais precisa, com maior qualidade e acessível.
*Silvia Waltrick é Advogada, tem MBA em gestão de empresas, Mestrado em Direito Público, Especialista em Direito da Medicina/UC-Portugal e Coordenadora da equipe de Direito Médico do escritório Cavallazzi, Andrey, Restanho e Araújo.