A Copa do Mundo de 2026 será a maior da história. Serão 48 seleções, 16 cidades-sede em três países – Estados Unidos, México e Canadá – a promessa de que será “a Copa mais inclusiva de todos os tempos”. Mas o evento nos Estados Unidos promete colocar a Fifa em um grande desafio.

No papel, a FIFA parece preparada para isso. Seu Estatuto estabelece, no artigo 3º, que a entidade está “comprometida com o respeito a todos os direitos humanos reconhecidos internacionalmente”. Desde 2017, existe uma Política de Direitos Humanos, elaborada com base nos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos, que determina obrigações de prevenção, reparação e transparência.

E há pouco, anunciou com entusiasmo um acordo global com a Building and Wood Workers’ International (BWI) ampliou o compromisso da FIFA com a proteção de trabalhadores em obras e eventos ligados à entidade. O pacto prevê inspeções conjuntas, planos corretivos e relatórios públicos até 2030.

É um passo importante. Mas também revela o tamanho do desafio.

A distância entre compromisso e realidade

O problema não é a ausência de regras , mas a distância entre o discurso institucional e a prática cotidiana. A cada novo torneio, as promessas de inclusão e respeito aos direitos humanos se repetem. Mas os riscos permanecem: trabalhadores explorados, torcedores discriminados, barreiras migratórias, falta de transparência.

Organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Amnesty International, já alertaram: a FIFA continua falhando na aplicação uniforme de seus próprios critérios de direitos humanos. Em outras palavras: o sistema existe, mas a coerência ainda não.

A Copa de 2026 será um teste. As políticas migratórias dos Estados Unidos, as barreiras de visto e o histórico de discriminação contra torcedores trans e não binários colocam em xeque a promessa de inclusão. Ao mesmo tempo, a escala inédita do evento , com múltiplas jurisdições e cadeias de suprimento globais , aumenta o risco de violações trabalhistas e de impactos sociais difíceis de monitorar.

O que o direito e a governança podem ensinar ao futebol

O esporte é um reflexo da sociedade e também de suas contradições. A FIFA incorporou a linguagem dos direitos humanos, mas ainda não transformou essa linguagem em cultura. Como lembra a pesquisadora Daniela Heerdt, do Asser Institute, “respeitar direitos humanos é diferente de protegê-los ativamente”. A entidade já aprendeu a “respeitar”. Falta “proteger” de fato.

O desafio é de governança: criar mecanismos que tornem o compromisso verificável, auditável e sancionável. Relatórios de impacto transparentes precisam ser públicos e detalhados. Os processos de licitação e escolha de sedes precisam envolver participação de sindicatos, de federações, de entidades globais de direitos humanos. Ela precisa ser plural.

E as sanções por descumprimento precisam deixar de ser simbólicas para se tornarem parte do jogo.

Entre o marketing e a integridade

A FIFA vive um dilema que é comum às grandes organizações: a tensão entre reputação e integridade. Avançar em direitos humanos não é apenas “fazer o certo”, é preservar a legitimidade do esporte. Depois do FifaGate, o futebol aprendeu que o problema não está apenas nas más decisões, mas na falta de mecanismos de controle que as evitem.

Por isso, não basta assinar acordos e publicar políticas. É preciso garantir que cada contrato, cada obra e cada evento estejam submetidos aos mesmos padrões éticos e legais que a entidade prega em seus discursos.

A Copa de 2026 será uma vitrine. Se a FIFA quiser que o mundo acredite que o futebol pode ser, de fato, uma força para o bem, precisará provar – em campo e fora dele – que integridade não é apenas uma palavra perdida no Estatuto.

É uma escolha diaria e um dever institucional inegociável.

Disponível originalmente no Lei em Campo. Publicado na CompliancePME em 6 de novembro de 2025