Sete em cada 10 executivos (75%) dizem que a cultura do compliance é essencial para a empresa e 71% afirmam que revisam e aprovam anualmente o programa de ética e compliance. Os números são da pesquisa “Maturidade do compliance no Brasil”, de 2021, da KPMG, consultoria e auditoria de alcance global, realizada com 55 empresas que atuam no Brasil, sendo 35% multinacionais.

Mais do que compreender a importância das normas de integridade e anticorrupção, é preciso que a alta direção da organização demonstre apoio constante, no dia a dia, às iniciativas. A relevância desse e de outros princípios que devem nortear os padrões éticos e de integridade empresarial estará na série de conteúdos “Integridade e Governança”, que abordará os 8 pilares de um programa de compliance. O comprometimento da alta direção das companhias é o tema desta 1ª reportagem.

O apoio da alta administração é o pilar número 1 de qualquer programa de compliance, porque tudo começa com a gestão estabelecendo o tom. O papel da alta liderança é servir como um diapasão, para que todos os ‘músicos afinem seus diferentes instrumentos em um mesmo tom e toquem harmonicamente numa orquestra’. Para tal, é muito mais que definir só formalmente qual é esse tom, mas também demonstrá-lo constantemente com exemplos que sejam autênticos”, afirmou Luciano Dequech, diretor Jurídico e de Compliance da Copa Energia e professor de compliance no Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).

De forma geral, o compliance estabelece padrões éticos e de integridade para empresas, incorporando disciplina e dispositivos anticorrupção pela conformidade nas companhias.

Na perspectiva da maioria dos empresários, esses valores estão entre os mais importantes no conjunto de práticas ESG (governança social, ambiental e corporativa, em português). É o que aponta o relatório “Valores democráticos no empresariado brasileiro”, de 2022, do Instituto Sivis, que mostrou que 62% atribuem maior relevância ao compliance e às práticas anticorrupção na governança corporativa.

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Dequech explica que os princípios de integridade e ética devem estar presentes nas falas dos executivos não apenas em discurso interno, mas na comunicação com o público externo, inclusive em redes sociais. Para inspirar os colaboradores, é preciso que a alta direção sinalize com clareza sua adesão às normas de conformidade.

A alta liderança deve ‘conquistar corações’. É mais importante as pessoas entenderem o porquê de atuar de maneira ética do que terem medo de serem punidas. O tone at the top (exemplo que vem da alta gestão) é criar uma cultura ética no qual todos se sintam agentes de conformidade e responsáveis por fazer a coisa certa. Mas porque é o certo a ser feito, não porque podem ser punidos”, disse Luciano Dequech.

Para o diretor da Copa Energia, mais do que punir, o compliance também deve servir para comunicar aos profissionais que as ações éticas serão valorizadas pela organização.

Reconhecer e recompensar, de maneira muito prática, é estabelecer metas de compliance e medi-las, mesmo que para fins de pagamento de bônus. Como exemplo, cito procedimentos de detecção dos conflitos de interesse e uso adequado das ferramentas de compliance”, afirmou Dequech.

Atitudes premiadas

Outras posturas podem se mostrar efetivas no reconhecimento e na premiação de atitudes, como uma ligação de um alto líder para um colaborador ou comunicar internamente exemplos de ações de compliance efetuadas naquela semana, quinzena ou mês. Para ligar o topo à ponta, sobretudo em grandes corporações, são importantes também atividades como o “café com o presidente”, em que periodicamente grupos de colaboradores são selecionados para interagir com a mais alta liderança da empresa.

A participação de executivos nos treinamentos é outra ação que ajuda a aproximar a teoria da prática. “O treinamento é um dos exemplos concretos. Quando você vê a diretoria, o conselho de administração participando, você percebe que a capa de ‘super-herói’ foi deixada de lado e se adotou uma postura de humildade. Isso vira exemplo para todos, que percebem a importância da prática para a organização e participam com muito mais entusiasmo desses treinamentos”, afirmou o diretor da Copa Energia.

Leia mais sobre como a alta administração pode dar apoio ao compliance no infográfico.

Envolvimento global nas práticas de compliance

Na J&F Investimentos, o compromisso da alta direção com o apoio ao compliance é permanente, para que seja visível e compartilhado por todos os 270 mil colaboradores do grupo em 190 países. Todo mês, sob coordenação do diretor global de compliance da J&F, Lucio Martins, representantes das empresas que fazem parte da holding reúnem-se para que todas as companhias estejam na mesma página sobre as regras de conduta e para informar o que acontece nas demais empresas.

Nos últimos 5 anos, a alta administração do grupo J&F participou de 540 reuniões sobre tópicos ligados ao compliance, somando mais de 582 horas dedicadas a esse assunto.

Toda a direção está engajada no tema. O compliance não é um manual, é uma vivência. É preciso ter uma preocupação diária, seja em reuniões, seja em questões do dia a dia. Na J&F, o compliance não é uma área isolada, é parceira e está bem permeada entre todos. A cultura, os valores, a abordagem diária e a comunicação com a alta administração ajudam a desmistificar o tema”, disse o gerente de compliance da J&F, Leandro Serra.

Nesse contexto, em 2020, as normas das empresas foram unificadas em um único código de conduta da J&F e as altas direções de todas as corporações da holding participaram da apresentação. “Quando fizemos a harmonização do código, foi realizado um lançamento em conjunto entre todas as empresas. Com a presença de todos os presidentes, fizemos uma live para os colaboradores. Os líderes falaram sobre o código e todos presenciaram a importância do apoio da alta direção”, disse Leandro Serra.

Sem patrocínio e demonstração de apoio constante, as políticas de compliancenão serão incorporadas ao dia a dia da operação. “O que faz parte das falas da alta administração e da liderança como um todo define o tom e vai cascateando pela companhia. Assim, a gente sai do conselho de administração, do comitê de auditoria, da alta liderança e da diretoria, e vai permeando por toda a organização. O programa de compliance só é eficazmente estabelecido quando todos os colaboradores se sentem parte, se sentem agentes dessa mudança”, afirmou Luciano Dequech.

Publicada originalmente no site Poder360

Publicado na CompliancePME em 30 de novembro de 2022