Por Marcelo Costa Soares
É fato que após a crise na área da saúde pública na década de 1960 ocorrida pelo Sistema Público de Saúde de Previdência Social que incorporava as ações de assistência médica, o Brasil buscou um novo sistema de saúde. Tal sistema veio com a Constituição de 1988 vislumbrando a introdução de um Sistema Único de Saúde, SUS, eficiente e de qualidade. No entanto, devido à burocratização e regulamentação no tocante à organização e gestão frente aos desafios e problemas do setor, evidenciou-se ao longo dos anos o surgimento e desenvolvimento de um movimento de serviços de saúde que deu origem ao que se convencionou chamar de “complexo médico-hospitalar”. E este tipo de complexo acarretou num rápido crescimento de estabelecimentos privados de caráter lucrativo e na diminuição da importância dos estabelecimentos de saúde filantrópicos dominantes até um passado não muito distante. Começou, portanto, a partir deste momento, a constituição de uma lenta e gradual nova concepção na área da saúde, vale dizer, uma ideologia empresarial antes não existente.
Dito isto, a partir do momento em que o Estado, se tornou ineficiente na prestação de serviço de saúde, ao mesmo tempo, o Brasil, na primeira década do milênio, passou por uma grande transformação social que permitiu a inclusão de boa parte da população no mercado de trabalho formal e, consequentemente, acesso a hospitais privados por meio de planos de saúdes oferecidos como benefícios por empresas, não obstante, a crise político-econômica que assolou o país e que acarretou uma recessão econômica em 2015 e 2016 com retração do PIB em 3,5% e 3,3% respectivamente. Não obstante a crise, observou-se na primeira década do milênio, um grande aumento no número de pessoas com acesso aos serviços da rede privada de hospitais e consequentemente um crescimento na infraestrutura hospitalar privada e uma conscientização a respeito da importância da boa gestão dentro destes hospitais.
A estrutura complexa dos hospitais privados no Brasil e a competição no setor, ocasionou que os mesmos tivessem que se reinventar e começar a olhar suas gestões com visão estratégica, vale dizer, aquela vista no mundo empresarial, ou seja, com a implementação de um sistema que integrasse os principais processos de gestão. Com esta nova visão de se administrar, os objetivos tornaram-se mais fáceis de serem alcançados, pois a organização dos processos de gestão passou a ter como intuito a celeridade na qualidade dos serviços prestados em benefício dos pacientes como também na geração de lucro para reinvestimentos em recursos sempre necessários.
Frente à esta nova realidade e com a vigência de Leis, tais como: 12.846/13 ( Lei AnticorrupçãoLei nº 12.846 / 2013): Conhecida como a Lei Anticorrupção e , no exterior , como The Clean Company Act ( Lei da Empresa Limpa ) promulgada em 1º de agosto...) e a 13.709/18 (LGPDLei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 12.709/2018): Lei Brasileira que visa garantir a proteção e a privacidade de dados pessoais. Equivalente a GDPR que é o regulamento europeu... – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), houve necessidade por parte destes hospitais privados de se aterem ao iminente perigo de possíveis ilícitos que viessem a ser cometidos por parte de colaboradores, com prejuízo não só econômico mas também de imagem perante a opinião pública e o setor no qual atuam. Consequentemente, diante de um cenário complexo, surgiu a necessidade de se dar mais atenção a área de ComplianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... dentro destes hospitais. A incorporação da cultura de Compliance com seus respectivos Programas de IntegridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões., demonstraram benefícios gerenciais e administrativos em vários tipos de organizações. Já em relação aos hospitais privados, mesmo não tendo ainda muitos estudos a respeito, a prática mostrou que o tema no tocante à implementação de Programas de Integridade tem sido bastante discutido em seminários com resultados positivos para a disseminação de uma mudança de cultura organizacional interna dentro destes hospitais e pautadas na implementação de Programas com base nos seguintes alicerces:
Comprometimento e Apoio da Alta Direção: notou-se que ao se desenvolver um Programa de Integridade dentro destes hospitais, o comprometimento da alta direção conhecida como estratégia “tone at the topexpressão muito utilizada em Compliance para se referir ao “o exemplo vem de cima”, ou seja, o tom e diretriz dados pela direção da empresa, em relação à importância e...” foi determinante para a disseminação de uma cultura voltada às boas práticas de gestão. Isto porque observou-se que estes hospitais passaram a possuir grande número de integrações, processos, interações, políticas, rotinas, o que, inevitavelmente, ampliou as possibilidades de eventos adversos e possíveis danos ao cumprimento de seus objetivos. Vale dizer, portanto, que a partir do momento em que estes programas passaram a ser claramente definidos, articulados e implementados pela alta direção, a chance de sucesso para a disseminação dos mesmos passou a ser maior.
Instância Responsável pelo Programa de Integridade: a partir do momento em que estes hospitais passaram a compreender a importância da área de Compliance e a sua total autonomia e livre acesso a todos os dados, setores, informações, protocolos, tendo como líder o Compliance OfficerProfissional responsável pelo gerenciamento do programa de compliance , ou de integridade . Este profissional supervisiona e gerencia situações de compliance dentro de uma organização , garantindo , por exemplo..., responsável pela área, a gestão destes hospitais passou a ser mais eficaz.
Análise de Perfil e Riscos: os Programas de Integridade passaram a estar sempre em movimento e construção. Observou-se tal evidência a partir do momento em que a estrutura hospitalar privada é caracterizada no seu dia a dia por mudanças constantes de protocolos e que necessitam de uma constante organização e detecção para identificar potenciais riscos, avaliá-los e mensurá-los no intuito de implementar medidas inerentes ao sucesso da gestão destes hospitais.
Estruturação das Regras e Instrumentos: observou-se a importância de se ressaltar que as políticas aplicadas dentro da estrutura hospitalar privada deveriam trazer detalhamento de regras para cada situação específica. Por políticas, dentro da gestão hospitalar e consequentemente também na gestão hospitalar privada, entendeu-se ser as diretrizes mais importantes que indicassem quais seriam as ações necessárias para atingir os objetivos e, com isto, determinar o diferencial daquele determinado hospital em relação aos seus concorrentes.
Estratégias de Monitoramento Contínuo: notou-se que o envolvimento da área de Compliance na rede hospitalar privada e a avaliação da adequação e cumprimento das políticas juntamente com procedimentos instituídos, tornaram-se essenciais na busca da identificação e análise de possíveis desvios de gestão.
Importante ressaltar também que com a recente vigência da LGPD o aumento do engajamento da alta direção destes hospitais e a ênfase pela éticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral. e bons costumes passam a ser também de fundamental importância com o objetivo de refletir o papel da boa governança corporativaÉ o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e.... Diante da LGPD, a área de Compliance passa a ter maior destaque, visto que a questão da proteção dos dados pessoais com intuito de resguardar a privacidade do indivíduo torna-se um tema importantíssimo frente à gestão destes hospitais, já que pode acarretar multas que podem chegar até R$ 50 milhões, conforme enfatiza seu Artigo 52, inciso II. Além disso, a manipulação de dados pessoais por parte destes hospitais classificados como dados sensíveis, sem a devida eficácia na gestão dos mesmos, pode gerar uma onda discriminatória aos portadores de várias doenças como também aqueles que ainda aguardam o resultado e confirmação de exames laboratoriais. A própria LGPD, em seu artigo 11, inciso II, “e” e “f”, enfatiza que: “o tratamento de dados sensíveis poderá ocorrer sem o consentimento do titular quando destinado para a proteção da vida ou da incolumidade física do mesmo e de terceiro ou quando destinado para a tutela da saúde. Entretanto, na mesma hipótese apenas mencionada, é de vital importância que os titulares dos dados tenham ciência sobre a existência do tratamento dos seus dados sensíveis e o que será feito com eles, bem como onde serão armazenados e quem será o encarregado ou responsável pelos mesmos.”
Diante do exposto, a cultura interna passou a ser essencial para o sucesso destes hospitais e o conceito de governança corporativa tornou-se fundamental para a verificação do desempenho dos mesmos. Ou seja, esta passou a ser entendida como um conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos, que ajudam a formar diretrizes de como uma determinada empresa é dirigida. Vale dizer, no intuito de se alcançar objetivos e de se prestar contas perante seus “stakeholdersPessoas ou grupos de pessoas com algum grau de envolvimento ou interesse em uma organização ou entidade, tais como empregados, clientes, fornecedores ou cidadãos que podem ser afetados por determinada...” os hospitais privados começaram a dar importância a uma cultura organizacional tendo como base o conceito de governança corporativa. Portanto, passou-se então aos gestores das redes hospitalares privadas a responsabilidade de fazer o controle organizado das informações de modo a refletir a real situação financeira destes hospitais, sem perder de vista a meta de manter um fornecimento consistente de cuidados eficazes para a saúde de seus pacientes, juntamente com a orientação e supervisão da área de Compliance.
Para isto, a criação de políticas, processos e capacidades com foco no alcance de metas de alto valor, passa a ser fundamental para que estes hospitais funcionem sempre de forma cada vez mais eficaz reduzindo desperdícios e custos. Neste sentido, o avanço tecnológico passa a possibilitar a extração de dados de maneira automática e praticamente precisa através de sistemas automatizados de gestão hospitalar, promovendo benefícios em inúmeras esferas, entre as quais:
Planejamento e indicadores: com melhor controle de estoque e investimentos e consequentemente mensuração de retorno sobre o investimento;
Padronização: por meio de linguagem uniforme, protocolos e processos bem definidos, reduzem riscoQuantificação e qualificação da incerteza, tanto no que diz respeito a perdas quanto aos ganhos, com relação aos acontecimentos planejados. É um desvio em relação ao esperado. É uma incerteza... de erros e trazem qualidade à assistência médica e administrativa e
Gestão de custos: com acesso a relatórios gerenciais.
Em suma, diante de tal realidade, existe a necessidade fundamental da criação de uma cultura organizacional, disseminada pela área de Compliance e com base numa visão ampliada do papel dos hospitais privados dentro do setor em que atuam. Vale dizer, criando condições para que os mesmos, de forma integrada, percebam e antecipem necessidades de mercado, mas também tenham como missão o foco nas suas principais prioridades com propósitos longevo que atravessam diferentes ciclos estratégicos. Ou seja, com valorescrenças julgadas corretas em relação a interações com outras pessoas ou empresas. motivacionais que despertem o interesse de seus colaboradores e profissionais com foco nos objetivos.
*Marcelo Costa Soares é Advogado, Pós-graduado em Compliance Digital pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Executive Management pela Ohio University, nos EUA, Pós-graduado com MBA Executivo em Marketing pela ESPM/SP, Bacharel em Administração de Empresas e em Relações Internacionais pela American University of Rome, na Itália, Membro da ANPPD (Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados), Membro da Comissão de Estudos de Compliance da OAB/SP e Membro do ComitêGrupo de pessoas escolhido para análisar assuntos específicos, podendo ser composto por membros externos da empresa; Jurídico da ITALCAM (Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura).
Esta notícia foi publicada originalmente no Medicina S/A