A representatividade do terceiro setor no Brasil é algo recente. Ao longo de 24 anos ela vem sendo conquistada por cidadãos e empresas que falam em nome da sociedade civil junto ao setor público. Conhecer a origem do terceiro setor auxilia não apenas a compreender como o tema vem sendo incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro de forma crescente, mas também a importância da participação da sociedade junto a governos e instâncias de decisão.

As Organizações Sociais (OS) surgiram pela Lei 8.637, de 15 de maio de 1998. Já a instituição das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) foi regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999, e pela Portaria nº 361, de 27 de junho de 1999. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), são 781.921 Organizações da Sociedade Civil (OSCs) em atividade no Brasil, sendo 7.046 OSCIPs.

A sociedade civil é entendida como aquela que, independentemente do Estado, é politicamente organizada e passa a ser o ator fundamental nas democracias contemporâneas, participando das reformas institucionais do Estado. É constituída por diversos membros, como as instituições cívicas, sociais e organizações que formam os alicerces de uma sociedade em funcionamento.

O terceiro setor está protagonizando, cada vez mais, um conjunto de atividades desenvolvidas por organizações privadas não governamentais e sem fins lucrativos, como associações e fundações, que independem dos demais setores (Estado e mercado), embora, com eles, possam firmar parcerias e receber investimentos públicos e privados.

Como as entidades do terceiro setor, têm se destacado ainda atores de transação financeira de grande porte, ou seja, que recebem recursos para aplicação e execução de projetos, com fundamental olhar e aplicabilidade da Lei Anticorrupção, Lei 12.846, de 1º de agosto de 2013. A lei é aplicável às sociedades empresárias e simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado. Estão incluídas nesse grupo fundações, associações de entidades, pessoas ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

A partir da Lei Anticorrupção foi permitida a celebração de acordos de leniência com as empresas que colaborem com as investigações e o processo administrativo, sem eximir a pessoa jurídica da obrigação de reparação integral do dano. No terceiro setor não é diferente. As entidades que o compõem têm por essência uma função de interesse social e o maior capital é justamente a forma de sua atuação, tanto interna como externamente.

Da mesma forma que o lucro é o principal objetivo de uma empresa, o superávit e o atendimento de seus beneficiários são os maiores objetivos de uma entidade de interesse social ou de uma organização da sociedade civil. O Decreto nº 8.420/2015, que dispõe sobre a responsabilização administrativa das pessoas jurídicas, regulamentou a Lei Anticorrupção.

O conceito de compliance como “programa de integridade” da pessoa jurídica constitui um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades. Ser compliance, estar em conformidade, é uma tarefa árdua – não impossível. To comply, em inglês, significa “agir em sintonia com as regras”. Em termos práticos e didáticos, é estar absolutamente na rota com normas, controles internos e externos, além de atualizado com políticas e diretrizes para o negócio. O curioso é que, no início da década de 1990, quando o termo começou a ser utilizado fortemente por instituições financeiras, era um conceito muito limitado, quase sinônimo de adequação jurídica. O que, na verdade, não é. Hoje, é enriquecido com uma abordagem sistêmica, ordenada, desde o chamado “chão de fábrica” à sala do CEO de uma organização.

O compliance veio para incentivar organizações na confecção de códigos de ética e de conduta, políticas, diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades, atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Aspectos relevantes também para o funcionamento, transparência e governança dos negócios regidos pelas entidades do terceiro setor.

E quais são os desafios do terceiro setor diante da Lei Anticorrupção? Há um conceito antecipado por muitos de forma errônea de que fundações, associações e todas as demais instituições que compõem esse setor possuem baixa credibilidade em suas relações. Pensamento que não pode ser aceito. Para reparar esse equívoco, faz-se necessário que as entidades do terceiro setor deem visibilidade a seus bons e sérios projetos, potencializem o pilar da transparência de suas atividades e contas, contratem auditorias externas e demonstrem processos de compras robustos. É primordial que lideranças e executivos dessas entidades percebam a necessidade de imposição no mercado, pois o trabalho e o impacto que o setor proporciona ao Brasil são incalculáveis.

Romeu Luiz Neto – Diretor-executivo do Movimento Brasil Competitivo, é Master in Business Administration Global Business Management e pós-graduado master em Compliance pelo Ibmec. Formado pela Sociedade Internacional de Coaching, Leader Coach Master pela Sicoaching Brasil, bacharel e especialista em Direito pelo Uniceub. Atua no terceiro setor há mais de dez anos e é responsável pelos setores Administrativo, Jurídico e Compliance da organização

Originalmente publicada no Portal Jota

Publicado na CompliancePME em 10 de abril de 2022