A nossa espécie ingressou no século XXI com a certeza de que caminharíamos para a imortalidade. O brilhante historiador e autor do livro Homo Deus, Yuval Harari, fez uma empolgante narrativa de que iniciávamos uma nova era marcada pela superação dos grandes dramas de nossa história. As guerras, as pestes e a fome estariam em níveis muito menores do que séculos atrás.

A fome, por exemplo, seria muito mais um drama de decisões políticas do que de falta de alimentos. O volume gigantesco de dados e seus algoritmos dominariam medicina, engenharia de tráfego, direito e demais áreas. Tudo sendo comandado pela inteligência dos dados.

E aí, no início de 2020, sentimos um drama imprevisível e que fez o mundo parar. A rápida e incontrolável chegada do novo coronavírus colocou o homo deus de joelhos, sensível e sem defesas, mesmo com o arsenal de dados, algoritmos e superioridade inquestionável como espécie dominante no planeta, ele não foi capaz de prever e preparar a humanidade para os impactos dramáticos do inimigo invisível. Revivemos momentos que experimentamos há mais de 100 anos.

As recomendações sobre o uso de máscaras, lavar as mãos e o distanciamento social são as mesmas que tivemos durante a gripe espanhola. Vivemos um paradoxo e uma espécie de limbo. Nossas discussões sobre veículos autônomos e energias renováveis ficaram em segundo plano diante da restrição mais básica na nossa jornada na Terra: o direito de ir e vir.

A ausência de tratamento para o novo vírus nos fez regredir um século na maneira de fazer a prevenção. O vírus fechou a economia mundial. Infelizmente, a conclusão dessa pandemia ainda parece distante. Uma das questões mais certas será o impacto profundo na economia dos países e talvez mais brutal ainda naquelas emergentes, como a história já mostrou ocorrer, segundo Jered Diamond em seu livro Armas, Germes e Aço.

A pandemia derrubou a sensação de controle e supremacia e nossa prepotência merece uma reflexão. Acredito que essa seja a grande lição. Tendo a história como base, confirmamos que a arrogância sempre foi um dos fatores marcantes para a queda de impérios, governos e derrocada das empresas. Em recente artigo, o consultor Bill Taylor explica o fenômeno da prepotência no mundo corporativo e afirma que, embora o senso comum aponte para a humildade como característica dos melhores líderes, não é o que se vê em boa parte das posições com maior nível hierárquico. Isso ocorre porque existe uma percepção de que liderar é saber sobre tudo e mandar nas pessoas, como diz o professor Edgar Schein, professor do MIT – Sloan School of Management.

Especialista em liderança e cultura, Schein afirma que esse é um componente da representação que as pessoas têm da liderança. A competição em que alguém ganha e outra perde. O líder que tem todas as respostas é aquele que atende o padrão esperado de gestão. E isso gera um descompasso entre o estilo de liderança humilde e colaborativo.

Na prática, o líder que é ambicioso, tem as respostas para todos os problemas e toma decisões rápidas no alto de sua sabedoria ainda compõe o referencial de muitos gestores que estão no poder. No entanto, sabemos que a prepotência gera muitas manchetes, mas é a humildade que traz mais resultados. Taylor construiu uma nova competência para o século XXI chamada de “ambilidade” e significa que o líder precisa cultivar ambição e humildade. Essas atitudes não são excludentes. A busca por realizações, sucesso e crescimento são positivas quando associadas à habilidade de perguntar, de não ter medo de mostrar vulnerabilidade em situações desconhecidas e à capacidade de construir um ambiente colaborativo.

O mundo pós-pandemia irá acelerar as transformações que já vinham ocorrendo nos negócios e no trabalho. A humildade em aprender, ouvir, questionar e cooperar será determinante para os líderes bem-sucedidos. Enquanto os antigos chefes, que acham que sabem tudo, irão sucumbir de um outro vírus: a doença da onipotência e o amargo sabor de ficarem obsoletos.

Esta notícia foi publicada originalmente em Valor Econômico

Publicado na CompliancePME em 12 de agosto de 2020