A insegurança jurídica tributária afeta o cofre da União, estados e municípios, atinge em cheio o planejamento das empresas, sejam micro, pequenas, médias ou grandes no Brasil e esvazia o bolso dos contribuintes.Quem investe no país tem de enfrentar 6,2 quilômetros de leis, normas e regras tributárias, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação.

Em meio a esse turbilhão de limites e parâmetros jurídicos que envolvem os tributos, as ações se acumulam em todas as esferas judiciais e administrativas e somavam, em 2019, um contencioso de R$ 5,4 trilhões de acordo com levantamento do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Equivalia a 75% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Para enfrentar o cordel infindável de regras tributárias e evitar entrar no redemoinho das disputas na Justiça e os escaninhos dos órgãos e conselhos administrativos as empresas brasileiras gastam, em média, R$ 162 bilhões por ano para pagar especialistas no setor e evitar autuações e processos judiciais longevos e desgastantes.

“No Brasil, quem diz que conhece as leis tributárias não está falando a verdade”, afirma o presidente do Conselho de Administração da Academia Brasileira de Direito Tributário, Marcelo Campos.

O Brasil exige de um especialista tributário mais entender do que conhecer as leis. Não por acaso, a Receita Federal está montando um projeto, o Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia), para permitir que os contribuintes, especialmente as empresas, se relacionem melhor e entendam as regras para evitar acumular passivos fiscais. Passivos que envolvem especialmente ações em que a União é a maior interessada.

Em 2018, por exemplo, o volume de crédito tributário contencioso a favor da União somava R$ 3,4 trilhões; as receitas que entraram no caixa federal, naquele ano, chegaram a R$ 2,9 trilhões. Em resumo, o recebimento do crédito tributário contencioso seria capaz de tornar positivo o patrimônio líquido da União naquele ano, com base em estudo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco).

O Código Tributário Nacional é de 1966, mas muitas de suas normas foram atualizadas pela Constituição de 1988. Mas novas normas e regras se multiplicam e se alteram a cada ano, levando os processos a durar anos antes de uma decisão. Há casos que já superam 20 anos a espera por uma sentença transitada em julgado nos escaninhos judiciais.

Nos administrativos, não chegam a tanto, mas também se prolongam sem resultado por tempo indeterminado pela fila longa de casos à espera de decisão. A tal ponto que a Apple, a gigante da tecnologia, não se atreve a destrinchar os tributos pagos por seus produtos no Brasil (e na Argentina também) em seus acordos com os assinantes, ao contrário do que faz em outros países.

“O excesso de normas é evidente. Como interpretar? Tem de perguntar ao Estado e, depois, buscar o Judiciário”, declara o professor Marcelo Campos.

Exemplo clássico refere-se à recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a incidência do ICMS sobre base de cálculo do PIS/Cofins a partir de 2017. A Corte concluiu que não pode haver a incidência, decisão que vai motivar outra série de ações judiciais para resolver cada questão pendente caso não seja feita uma nova norma para regulamentar o tema, alerta um ex-ministro do STF que prefere se manter no anonimato para não ser acusado pelos antigos pares de querer atrair clientes.

Essa confusão tributária, ou manicômio judiciário como chamam os juristas e advogados tributaristas na intimidade, não favorece nenhuma das partes. E não passa pela reforma tributária a solução. Já existe um projeto — Programa Especial de Regularização Tributária — em andamento no Congresso para resolver as pendências em parte. Iniciativa do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), hoje presidente do Senado, foi aprovada em plenário pelos senadores e encaminhada à Câmara em agosto passado. Está na fila para ser apreciado, algum dia, pelos deputados.

Nesse meio tempo, quem deve e é cobrado, pode até ir para a cadeia. O artigo 2º da Lei de Crimes contra a Ordem Tributária prevê prisão de seis meses a dois anos e multa para quem deixar de pagar tributos. O STF já decidiu que o contribuinte que de “forma contumaz e com dolo de apropriação” deixar de recolher ao ICMS estará sujeito a esta pena. E o Superior Tribunal de Justiça também condenou uma empresa, que considerou ter sido “constituída para dificultar a arrecadação tributária” com base na Lei Anticorrupção.

Não por acaso tem crescido no país a busca pela compliance tributária. Empresas montam estruturas para acompanhar de perto o cipoal de normas e leis que regem a cobrança de tributos, taxas e contribuições do país, um arquivo gigantesco que soma mais de 360 mil regras editadas pela União, Estados e municípios desde a Constituição de 1988 para garantir suas receitas. É preciso investir cada vez mais em um sistema preventivo, com compliance, para evitar a Justiça e os processos administrativos nos vários âmbitos públicos, como afirma o professor Marcelo Campos.

Publicada originalmente no site da Exame.

Publicado na CompliancePME em 15 de outubro de 2021