Por Anna Faraco Lamy e Eduardo Lamy

De acordo com mídias adversas, mais de duzentas pessoas foram resgatadas em 22 de fevereiro de um regime laboral no qual eram fisicamente punidas, ficavam confinadas em alojamentos insalubres, sofriam de retenção salarial e jornadas de trabalho de doze horas. Os trabalhos eram fornecidos a três das maiores produtoras de vinho do Brasil: Salton, Garibaldi e Aurora.

Esse tratamento classifica a condição do trabalhador como “análoga à escravidão”, um formato de trabalho repudiado mediante tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu. Para as vinícolas, como organizações empresariais, o impacto da divulgação da informação vai desde a exposição reputacional negativa, passando pela possível retirada de investidores, perda de clientes estratégicos e redução da avaliação das empresas para fins de abertura de mercado (IPO) e fusões ou aquisições.

A lição que pode ser aprendida com o caso é que esforços mínimos de Compliance e gestão de risco corporativo teriam facilmente evitado a situação. Informações públicas a respeito do caso indicam que as três empresas contrataram um intermediário que fornecia e geria a mão de obra. O proprietário da empresa *Fenix Serviços Administrativos e Apoio a Gestão de Saúde Ltdafoi, inclusive, preso na noite da operação pelo MPT.

Dados internacionais reportam que – em geral – intermediários que acabam incorrendo em tais irregularidades, comprometendo seu contratante. Precisamente o que acontece no caso presente, já que as vinícolas não foram diretamente responsáveis pela contratação dos trabalhadores e sua manutenção na condição de escravidão moderna. Porém serão igualmente responsáveis pelos fatos ocorridos, porque a intermediária compõe sua cadeia de fornecimento.

Em uma empresa que possui um programa de Compliance um dos pilares será a devida diligência de terceiros. Por meio dessa diligência é avaliado o histórico da organização, focando em temas de Compliance e direitos humanos.

Mídias adversas e eventuais medidas judiciais são avaliadas pelo responsável de Compliance, de modo que os stakeholders já possuem visibilidade – antes mesmo de avançar na negociação – do nível de exposição ao risco que pode decorrer daquela relação jurídica.

Esse controle também leva ao aperfeiçoamento de contratos – que passam a prever obrigações e compromissos como a adequada consecução do objeto – bem como auxiliam na eventual isenção para fins de cadeia de fornecimento.

Se as vinícolas pudessem demonstrar (obviamente por meio de evidências documentais) que não havia nenhuma informação no histórico da prestadora apontando a tendência à escravidão moderna e que por meio do contrato a empresa terceira se comprometeu em seguir diretrizes internacionais de direitos humanos, poderiam alegar inadimplemento contratual – que seu fornecedor deixou de agir dentro dos parâmetros do contrato.

Trata-se de uma oportunidade de coletar lições aprendidas e fortalecer controles de Compliance que teriam, sem dúvida, evitado esse resultado.

Errata: A empresa mencionada originalmente Fenix Serviços de Apoio Administrativo, pelos autores responsáveis pelo artigo, solicita a correção do nome da empresa envolvida em investigação, através de Citação Judicial recebida em 06/04/23 pelo portal, o que prontamente acatamos, na mesma data.

(*) Anna Faraco Lamy e Eduardo Lamy são advogados especializados na implantação e aperfeiçoamento de programas de compliance empresarial e sócios do escritório Lamy & Faraco Lamy.

Ela é mestre e doutora em direito e ele pós-doutor em direito e professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

 

Publicada originalmente no site Acionista

Publicado na CompliancePME em 11 de abril de 2023