Em períodos de crise, quando as falhas internas ganham visibilidade pública, é o programa de compliance que diferencia quem resiste com credibilidade de quem perde espaço no mercado. Mas esse papel só se cumpre quando o programa é efetivo, técnico, e está inserido de forma consistente na cultura organizacional.

A avaliação é de Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados. Para ela, a eficácia do compliance está diretamente ligada ao envolvimento da alta liderança e à aplicação prática das diretrizes. “O mercado não espera perfeição, mas coerência, transparência e responsabilidade ética na resposta. E isso não se improvisa”, afirma.

Crises testam a governança

A última década mostrou, com operações policiais, escândalos corporativos e casos de exposição pública, que empresas com programas sólidos conseguem responder com mais agilidade e consistência. O compliance bem estruturado atua como sistema preventivo, fornecendo caminhos prontos de ação, responsabilidades mapeadas e critérios claros de apuração.

Durante investigações conduzidas por órgãos como CADE, CVM e CGU, a existência de um programa robusto é considerada como fator atenuante, desde que demonstre efetividade prática — e não apenas formalização institucional.

Intenção não basta

A pesquisa de Integridade Corporativa, conduzida pela Deloitte em parceria com o Pacto Global da ONU no Brasil, mostra que 70% das empresas nacionais veem reputação e confiança como principais motivos para investir em compliance. Porém, muitas ainda não saíram do discurso.

Segundo o estudo, boa parte das companhias não conta com processos estruturados de monitoramento e resposta. A falta de canais de denúncia funcionais, de investigações internas técnicas e de responsabilização transparente compromete a capacidade de gerar confiança sustentável.

Compliance além do jurídico

Tratar o compliance como escudo legal é um erro comum no ambiente corporativo. Para Patricia Punder, o programa precisa ser visto como ferramenta de gestão de riscos. “A empresa que acredita que basta um código de conduta no site e meia dúzia de treinamentos anuais está condenada à ineficácia”, afirma.

O programa efetivo exige mapeamento de riscos reais, due diligence de terceiros com critérios claros, canais independentes, técnica forense nas investigações e, sobretudo, respaldo da alta liderança. O chamado tone at the top é apontado como elemento insubstituível para que o compliance funcione no longo prazo.

Ética sob pressão

A crise, independentemente de sua origem — reputacional, regulatória, financeira ou humana —, não é o momento de construir governança. É quando ela precisa funcionar. Empresas que internalizaram uma cultura ética já possuem diagnósticos, planos e fluxos operacionais preparados para reagir com consistência.

Lideranças que tratam o compliance como área estratégica — e não como obrigação burocrática — criam estruturas mais resilientes. “O CEO que ainda acredita que compliance é um custo e não um investimento, pode se surpreender quando a Polícia Federal bater à sua porta às 6 da manhã”, alerta Punder.

Conexão com o contexto social

Em tempos de ESG, o compliance também precisa dialogar com temas como diversidade, direitos humanos e sustentabilidade. A sobrevivência da reputação exige não apenas aderência às normas, mas sintonia com as expectativas da sociedade.

O compliance contemporâneo é multidisciplinar e requer fluência regulatória combinada com leitura de contexto. CEOs que compreendem esse papel posicionam suas marcas com autoridade mesmo em meio a ambientes instáveis.

Crises não são exceção

Empresas que tratam a crise como uma anomalia tendem a ser surpreendidas com mais frequência. Para Patricia Punder, o papel do compliance é reduzir os impactos do inesperado, acelerar as respostas e preservar a legitimidade da organização. “Não se trata de compliance ‘para inglês ver’, mas de compliance para sustentar o amanhã”, conclui.

Disponível originalmente no site da Carta Capital. Publicado na CompliancePME em 30 de julho de 2025