A parcela de críticas na repercussão da nomeação de Anitta ao conselho de administração do Nubank denuncia um modelo obsoleto de governança e reflete visões enviesadas sobre a integridade corporativa, diz o empreendedor e investidor Anderson Godz.

Godz é especialista no que chama de “um novo modelo de governança, menos quadrado, mais jovial e mais bem alinhado ao mundo digital”. Ele escreveu livros como “Governança & Nova Economia” e, há três anos, fundou a Gonew.co, uma edtech (fintech que aplica tecnologia à educação) que divulga conhecimento sobre a formação de conselheiros corporativos na atualidade.

“Anitta representa o conceito de diversidade. E tem competência técnica, sim, em um assunto que considero o principal ativo no mundo digital, que é a disputa pela atenção. Ela lida com 50 milhões de seguidores, tem ideia do que é mobilização. Me parece haver um encaixe”, afirma.

Frente ao questionamento mais recorrente desde o anúncio do banco, de que a cantora não teria a formação técnica que a presença em um conselho de administração requer, Godz responde citando uma obsolescência do modelo tradicional de governança no que diz respeito a empreendimentos jovens, alinhados com o mundo digital.

“Não é só uma questão de idade ou origens diferentes, mas uma rediscussão de modelos. Claro que em companhias de capital aberto há questões regulatórias, mas para gestões que precisam ser diferentes, as formações e o repertório também devem ser diferentes. Conselhos saudáveis demandam outras capacitações”, comenta o empreendedor, ele mesmo alguém que, segundo diz, não encontrou o que procurava nas escolas de governança mais tradicionais.

Godz também discorda de outra crítica recorrente, a de que as opiniões agudas da cantora sobre certos temas, como sexualidade e política, poderiam expor o Nubank a riscos de reputação em um mundo de cancelamentos.

“Na verdade, faz parte da disputa por atenção se posicionar em questões agudas. É o mesmo com a Tesla, presidida pelo Elon Musk, que desafia a regulação, fuma maconha em entrevista, tuíta sobre qualquer ativo e o ativo sobe ou cai. É um tipo de liderança perto do conceito de ‘influencer’. Nesse ambiente, os riscos reputacionais das empresa são outros, e mitigá-los também é diferente.”

Dois pesos e duas medidas

Para o empreendedor e especialista, as ressalvas à decisão do banco digital sugerem falta de entendimento sobre o trato com reputação e boas práticas no mundo digital, ou mesmo avaliações enviesadas.

Godz reforça o ponto pelo exemplo da recente nomeação de Henrique Dubugras ao conselho do Mercado Livre, que não foi criticada como a escolha do Nubank pela cantora carioca – Dubugras, 25 anos, é um dos fundadores da startup Brex, sediada nos Estados Unidos e avaliada em US$ 2,6 bilhões.

“Ele também é muito novo, como a Anitta. E também não tem formação de conselho tradicional. Mas quando saiu a notícia, há um mês, a repercussão foi outra, ninguém falou coisas negativas. É um homem branco formado em Stanford, não é funkeiro; o mesmo pessoal que caiu de pau na Anitta não viu grandes problemas. Algumas pessoas têm um certo, não sei se preconceito é uma boa palavra, mas dois pesos e duas medidas”, afirma Godz.

Godz pondera, por outro lado, que o movimento do Nubank pode guardar conexão com o episódio, em 2020, em que a sócia-fundadora do banco digital, Cristina Junqueira, foi criticada e acusada de racismo após uma declaração durante entrevista ao programa Roda Viva.

“Foi uma exposição que gerou certo frisson, todos nós estamos muito mais expostos. Pode ter sido o caso de criar outra situação de exposição para apagar a anterior. Ainda assim, tendo em mente tudo o que defendemos sobre governança no mundo atual, consigo entender plenamente a indicação da cantora.”

Notícia publicada originalmente no Valor Investe

Publicado na CompliancePME em 23 de junho de 2021