Ligia Maura Costa, Professora titular na FGV-EAESP, coordenadora geral do FGVethics, presidente da comissão de Orçamento, Governança e Integridade da OAB/SP

Luís Renato Vedovato, Professor de Direito Internacional da UNICAMP e da PUC de Campinas, Membro do Observatório das Migrações em São Paulo

Roberto di Cillo, Senior Research Fellow do FGVethics, Advogado

O esporte profissional é jogado dentro e fora dos campos e das quadras. Compliance deve fazer parte da vida dos desportistas, que vestem camisas, bonés, chuteiras e outros aparatos que refletem o investimento que seus patrocinadores (e os patrocinadores de suas equipes) fazem. Daí que nenhum desportista está acima do bem ou do mal. Eles são responsáveis pelos atos praticados e devem pensar com responsabilidade antes de tomar decisões. Afinal, o valor moral está ao lado daqueles que optam por fazer a coisa certa.

No mundo ideal, bons comportamentos devem sempre ser estimulados por meio de uma combinação de uma cesta de incentivos e até sanções, assim como devem ser desestimulados por ameaças de punição e até efetiva punição, em casos em que se justifiquem. Maus comportamentos devem ser punidos com maior rigor ainda quando sejam péssimos.

Tome-se o mau exemplo dado pelo jogador brasileiro de futebol Robinho, cujo nome esteve nas manchetes recentes. Sua atual equipe até o suspendeu, há mais de um ano aliás, aparentemente para estancar a ameaça de sangria dos patrocinadores, tendo, na verdade, um patrocinador cancelado o contrato. Não é só que o jogador em questão se envolveu num caso abominável, o que já seria por si só suficientemente grave para que nenhuma empresa quisesse aliar sua imagem à dele (ou mesmo à de sua equipe): ele fugiu do país estrangeiro onde praticou o crime e veio buscar refúgio no Brasil, o país de sua nacionalidade originária e onde a percepção de impunidade parece ainda ser muito alta, em especial de ricos e famosos.

Os interesses que precisam ser tutelados em casos graves assim não se limitam aos das partes envolvidas, inclusive a vítima, que é muito importante. Do lado de patrocinadores, fica ressaltada a importância de uma diligência prévia e mesmo checkpoints ao longo do contrato de patrocínio para que uma adequada gestão de riscos de compliance possa ser feita.

Há também toda uma geração de talentos que dependem justamente dos patrocínios que variam imensamente em termos quantitativos e qualitativos de modalidade para modalidade, alguns desses talentos vendo no esporte a promessa de uma vida mais digna para si e até para suas famílias. E a retirada de patrocínios, se for o caso, precisa levar em conta essa relevante questão. E como ficará a reputação de patrocinadores que não se posicionem com clareza, ou que se posicionem pela impunidade?

O efetivo cumprimento de pena de prisão transitada em julgado no exterior a condenados por crimes como o estupro é, obviamente, matéria de interesse nacional e internacional, mas que não pode se efetivar no Brasil já que é vedada a extradição de brasileiro nato pela Constituição*.

Agora, de qual forma se pode levar adiante o cumprimento de pena proferida no exterior contra brasileiros natos? Ultrapassada a questão da eventual punição por aqui, que parece extremamente necessária, se uma decisão condenatória estrangeira não expuser um condenado a uma situação de risco pela aplicação de medidas penais, a impunidade estará garantida aos brasileiros natos, enquanto buscarem abrigo no país para não pagar por seus crimes exterior? Naturalmente não será bom para patrocinadores que se tornem fiadores de maldades. Já não bastam as replicadas por alguns perfis, inclusive oficiais, em redes sociais.

O mundo mudou e o Brasil precisa se adequar à nova realidade, abandonando o quanto antes teorias que somente induzirão a maior atraso socioeconômico. A verdade é que o Brasil não pode continuar a ser visto como um porto seguro para condenados no exterior, o que reforça um estereótipo que se deveria combater. Ou os investimentos, inclusive no esporte, deverão minguar cada vez mais por falta de compliance, às custas de mais empregos não gerados e, claro, talentos não desenvolvidos.

Nota

* Art. 5 LI da Constituição Federal: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. (grifo nosso)

Originalmente publicado no Estadão 

Publicado na CompliancePME em 27 de janeiro de 2022