Por Claudia Abdul Ahad Securato

 

A pandemia de Covid-19 antecipou tendências que estavam sendo implantadas pelas empresas gradativamente, trazendo mudanças significativas no mundo do trabalho, como o home office, a seleção de profissionais de forma totalmente online, as reuniões remotas, além do aumento da informalidade.

Na tentativa de regulamentar e antecipar algumas das situações adversas nas relações de trabalho geradas pela pandemia, o governo publicou várias medidas provisórias e sancionou a Lei 14.151/2021, que afastou as empregadas gestantes das atividades de trabalho presencial durante a crise sanitária.

Apesar de trazerem importantes soluções, essas medidas geraram também muitas incertezas, pois são genéricas e muitas vezes repletas de lacunas quando aplicadas aos casos concretos.

As MPs 1.045/2021 e a 936/2020 (que se tornou a lei 14020/20) instituíram o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispuseram sobre medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública ao permitir a redução proporcional de jornadas e salários e a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Já as MPs 1.046/21 e 927/2020 trouxeram previsões de teletrabalho; antecipação de férias individuais e coletivas; antecipação de feriados; banco de horas; suspensão de exigências administrativas e parcelamento do recolhimento do FGTS.

Entretanto, as referidas medidas não alcançam os maiores prejudicados de fato com a pandemia: os trabalhadores informais e ainda aqueles que trabalham em plataformas digitais.

Isso porque, com a pandemia e a crise econômica que causou o encerramento de milhares de vagas de empregos, a informalidade cresceu e alcançou nível recorde. Todavia, a ausência de regulamentação desses tipos de relações de trabalho causou uma enorme judicialização das questões e insegurança jurídica para as partes envolvidas.

Com relação àqueles que se mantiveram no mercado de trabalho formal, a principal mudança trazida pela pandemia do Covid-19 foi a implantação do home office pelas empresas. Essa medida adiantou a prática que era pouco utilizada por algumas empresas e limitada a alguns dias da semana. Todavia, os empregados e empregadores se depararam com inúmeros desafios.

Dentre os principais desafios encontrados com a prática do home office, cite-se: o aumento da judicialização da questão, tendo em vista que é uma forma de trabalho pouco regulamentada; o aumento dos diagnósticos de síndrome do burnout, haja vista a dificuldade maior de desconexão, a realização habitual de horas extras, considerando a demissão de inúmeros empregados e a concentração de trabalho em menor número de pessoas, além da dificuldade de conseguir dividir a vida pessoal da profissional.

Outro aspecto importante é o que diz respeito à saúde e segurança do trabalho em home office. Recentemente, foi proferida decisão pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), de acordo com a qual o acidente ocorrido dentro da casa do empregado pode ser considerado como acidente de trabalho, considerando que é esse o local da realização das funções relacionadas ao emprego.

Importante ressaltar também que as empresas têm se deparado com uma questão importante no que diz respeito a manutenção dos empregados em home office ou a volta do trabalho presencial, ou ainda, aquelas que não possuem condições de manter os empregados em home office, pela natureza do trabalho, a preocupação com o controle rígido da saúde e segurança dos empregados. É que decisões divergentes no sentido da Covid-19 ser ou não considerada doença ocupacional têm contribuído com a crescente judicialização dessa questão, o que causa insegurança jurídica e onera as empresas, as quais, em sua grande maioria já sofrem muito com os reflexos econômicos da pandemia.

O teletrabalho também contribuiu com o aumento de assédios morais e sexuais online. De acordo com a pesquisa da Project Include, os trabalhadores perceberam que 45% dos assédios são via chat, 41% via e-mail, 41% via reuniões por vídeo e 25% via ferramentas de produtividade.

A Covid-19 também antecipou a adoção da automação e de inteligência artificial (IA), principalmente nas categorias de trabalho que envolvem alta proximidade física. Historicamente, durante períodos de recessão, as empresas costumam controlar os custos e mitigar as incertezas das seguintes formas: adotando a automação, redesenhando os processos de trabalho e reduzindo principalmente a parcela de empregos que envolvem tarefas de rotina. Diversas empresas adotaram a automação e a IA em depósitos, supermercados, call centers e fábricas a fim de reduzir o número de pessoas no local de trabalho e atender a picos de demanda.

Portanto, vive-se em um momento certamente transformador no que diz respeito às relações de trabalho. A pandemia de Covid-19 contribuiu com a aceleração de todas as previsões para o futuro do trabalho, redefiniu as principais tendências do trabalho e as mudanças estão transformando definitivamente a maneira como pessoas trabalham e como os negócios são realizados. Essas transformações precisarão ser cautelosamente regulamentadas para evitar o abarrotamento do judiciário, oneração das empresas, e em especial a insegurança jurídica para empregados e empregadores.

 

Publicado originalmente no site 6 Minutos e republicado aqui com a permissão da autora.

Publicado na CompliancePME em 21 de julho de 2021