Imagine que estamos a bordo de um avião barulhento, a uma altura de aproximadamente 10 mil pés, e estou prestes a sair dele. Loucura? Medo? As duas coisas me passaram pela cabeça, não vou mentir. Mas, ao mesmo tempo, eu repetia uma rotina para mim mesma, de olhos fechados, e mentalizando cada movimento: “Mão direita. Pé direito. Mão esquerda. Pé esquerdo. Corpo para fora. Check interno, ok. Check externo, ok. Referência, em cima, embaixo. Salta”. E foi assim que, de repente, pela primeira vez com o meu próprio paraquedas nas costas, eu estava voando!

A sequência que acabei de descrever é o passo a passo que aprendemos no curso de paraquedismo. Porque além da Luciana gestora de riscos e compliance, em 2020 eu comecei a saltar de paraquedas. Por mais paradoxal que pareça, foram justamente as semelhanças desses dois mundos que me motivaram a escrever sobre os ensinamentos do esporte radical para lidar com a gestão de riscos no ambiente corporativo. E, acreditem, a relação é tão próxima que, quando finalizei o salto, uma das primeiras coisas que pensei ao pisar no chão foi: “Eu preciso incorporar essa experiência no meu mundo de GRC (Governança, Riscos e Compliance)”.

De volta ao primeiro salto. Sair do avião é um divisor de águas e um baita momento tenso. Por isso, treinei em solo exaustivamente a sequência de movimentos, o que seria feito a cada altura durante a queda livre, o comando (abertura) do paraquedas e os procedimentos de segurança – afinal, se tudo desse errado e os instrutores não pudessem me ajudar, a responsabilidade seria exclusivamente minha. Eu precisava saber exatamente o que fazer.

E, na hora H, quando chegou o momento de sair do avião, em meio a toda aquela adrenalina, preciso dizer que nem deu tempo de sentir medo ou pensar em desistir. De tanto repassar a rotina mentalmente, eu executei cada uma das atividades no “automático”.

Comunicação e Treinamento

Nosso sonho de consumo como gestor(a) de riscos e compliance é que, diante da materialização de um risco, os colaboradores saibam agir instintivamente. Contudo, se não houver recorrência na abordagem de um tema, as informações não entrarão no inconsciente dos colaboradores e as ações esperadas não serão executadas de forma automática. Mas, cuidado: lembre-se de que não importa qual o mercado ou o negócio da sua empresa, riscos existirão sempre, e compliance não é a coisa mais importante da empresa.

Portanto, recorrência não significa encher a agenda de treinamentos obrigatórios todo mês. E essa é a parte mais difícil. É preciso muita criatividade, alinhamento interno e planejamento. Inclusive, se possível, opte por treinamentos e comunicações curtas, frequentes, direcionadas a públicos específicos, bem como priorizadas à luz do impacto e da probabilidade do risco se materializar. Com isso, podemos dar autonomia para os colaboradores enfrentarem as portas do avião, e aumentamos a chance de a ação esperada ser executada no automático.

Processos que norteiam objetivos

Outro paralelo interessante é que, no paraquedismo, existem várias regras que limitam as ações de pessoas iniciantes. Um aluno, por exemplo, só pode saltar pela escola que ele está matriculado, com ventos de até 12 nós (22.2 km/h), sob orientação de um instrutor na aeronave e, às vezes, até mesmo com o uso de rádio para auxílio na navegação. Conforme o aluno vai progredindo e se tornando um atleta mais experiente, as regras vão ficando mais flexíveis. E isso não porque o risco diminui, mas, sim, porque a pessoa se torna mais consciente e experiente na execução das medidas de mitigação do risco.

A mesma coisa acontece (ou deveria acontecer) nas empresas. Sabemos que uma boa estratégia de gestão de riscos não tem como objetivo eliminar o risco, pois isso só é possível eliminando o processo ou a atuação comercial em si. Mas as políticas, procedimentos e controles internos nas empresas atuam de forma que os colaboradores não assumam riscos dos quais eles sequer tenham dimensão do impacto.

Até o paraquedista mais experiente também está sujeito a regras, como velocidade do vento monitorada por um Responsável Técnico Geral. Ou seja: nem os diretores e nem o CEO estão isentos das medidas de mitigação de uma boa gestão de riscos.

Desprogramar os “nãos”

O último insight importante que aprendi com o paraquedismo e que tem tudo a ver com a área de governança, riscos e compliance é o valor da comunicação positiva e afirmativa. Se eu perguntar a um instrutor “posso dobrar a pena”? Ele responde: “Você tem que esticar a perna”. Se eu perguntar “posso colocar o braço perto do meu corpo”? A resposta: “Você tem que colocar o braço longe do seu corpo”. Ou seja: a ideia é evitar orientações negativas, e isso faz uma grande diferença na hora da tomada de decisão rápida. Desprogramar os “nãos” na nossa cabeça nos leva imediatamente a pensar no “sim” –nesse caso, no que pode e tem que ser feito.

Não sei vocês, mas eu já fiz o exercício de tentar escrever uma política só com frases positivas e não consegui. A começar pelo fato de que algumas certificações e selos independentes exigem diretrizes expressas no estilo “não admitimos o pagamento de propina”. Moldar o comportamento humano requer ensinamentos positivos. É só se lembrar de quantas crianças colocaram o dedo na tomada mesmo depois de uma mãe ou pai dizer “não coloque o dedo na tomada”.

Sejamos honestos: se dos 220 dias úteis de trabalho você não executasse uma atividade de risco ou compliance, recebesse treinamento sobre essa diretriz uma vez ao ano e toda vez que participasse de um treinamento a mensagem fosse uma orientação negativa, você saberia o que falar se um agente público pedisse uma vantagem indevida?

*Luciana Silveira é Chief Compliance Officer na Neoway

Originalmente publicada em Época Negócios

Publicado na CompliancePME em 11 de abril de 2023