Estamos vivendo um momento em que as questões sociais e ambientais estão fortes nas pautas ideológicas, tudo muito polarizado. Mas vejo como um limite muito grande nos atermos a ideologias e partidarismos, quando o próprio mercado e os investimentos estão gritando pela necessidade de nos atentarmos para uma maior responsabilidade das empresas nesses contextos.

Já escrevi sobre líderes conscientes e responsabilidade socioambiental, mas senti necessidade de ampliar o tema por causa de uma sigla muito forte atualmente: ESG. Na verdade, estamos falando da evolução do mesmo tema. No passado, falamos de responsabilidade corporativa, tal qual sustentabilidade, agora, a denominação é ESG.

Essas três letrinhas, que levam em conta os impactos ambientais, sociais e de governança (environmental, social e governance) estão pautando inúmeros investimentos em todo o mundo. O assunto nunca esteve tão latente, e a pandemia acabou despertando ainda mais para essa necessidade, justamente pelo potencial das corporações em lidar com crises e transformarem suas mentalidades.

Cada vez mais, o assunto deixa a mesa de especialistas sobre o tema e passa para a pauta principal de todos os gestores da empresa, de forma integrada à gestão da empresa.

Nessa semana mesmo, a B3 e a S&P Dow Jones anunciaram o lançamento do índice S&P/B3 Brasil ESG, de forma a expor aos investidores empresas com esses critérios. E a própria CVM afirmou que os “reguladores de todo o mundo analisam agenda ESG”.

Já nessa matéria do Valor, vemos que os fundos com viés ESG, hoje com volume global de captação de US$ 220 bilhões, devem quintuplicar para US$ 1,2 trilhão até 2030.

O que eu quero dizer é que, atualmente, sem essa visão, credores pensam duas vezes na hora de fazer suas apostas em certas empresas. Por exemplo, no início do ano, a gigante BlackRock movimentou o mercado ao retirar seus investimentos de organizações em desacordo com questões ambientais, como a indústria de carvão.

Essa atitude dá espaço para propostas mais sustentáveis nos três aspectos, uma vez que esse raciocínio tem tudo a ver com as classificações de risco na hora de apostar em uma empresa. Mas é muito importante uma análise criteriosa, pois ainda existem empresas que fazem como maquiagem, por marketing, sem integrar em suas práticas reais de gestão.

Brevemente, o que é ESG
Apenas para contextualizar melhor, ESG serve como uma métrica sobre o desempenho de empresas dentro de um contexto ambiental, social e de governança. Alguns poucos exemplos:

Ambiental: consumo sustentável de recursos naturais, reciclagem, conceitos de economia circular;

Social: impacto da empresa nas pessoas e comunidades em vários âmbitos, de funcionários, a clientes, a vizinhos;

Governança: práticas de compliance, cultura organizacional ética.

Esses e outros fatores hoje estão fazendo coro para o papel micro e macro das corporações e como isso influencia no aporte de recursos que elas vão receber. No contexto global, já vemos ao redor de 30% dos recursos em fundos de investimentos atrelados a algum critério objetivo de ESG. No Brasil, ainda em menor escala, mas em forte crescimento.

Ou seja, com a crescente evolução do nível de consciência do papel da empresa na sociedade, qual grande investidor gostaria de apostar em empresas que ainda não se atentaram para essas práticas?

Não dá para fecharmos os olhos
Seja no Brasil, com problemas de preservação de suas florestas e com uma sociedade com tanta disparidade social, ou em várias partes do mundo com problemas diferentes, mas nem menos complexos, hoje a gente não tem como mais fechar os olhos para a importância da sustentabilidade e a necessidade de as práticas empresariais se alinharem a isso.

A Natura, por exemplo, atentou para isso há cerca de 20 anos, aprimorando na última década um programa específico de práticas sustentáveis para a Amazônia. A empresa promove pesquisas e parcerias para favorecer a sociobiodiversidade, conservando não apenas a própria floresta, mas também a qualidade de vida de milhares de famílias da região.

Eu sempre falo que as empresas e os líderes têm um papel muito importante na geração de desenvolvimento em nossa sociedade. Até então, muita das vezes se enxergava as empresas com o papel somente do benefício social da criação do emprego e da renda, mas cada dia mais o prisma de avaliação vem sendo ampliado.

“Diversidade hoje é uma questão de necessidade”

A frase acima é de Luiza Trajano, presidente do Magazine Luiza, que integra rankings das melhores empresas para trabalhar no Brasil. O grupo tem demonstrado exemplos de preocupação e atenção com desenvolvimento social.

Ou seja, hoje devemos refletir que não importa somente gerar emprego: que tipo de emprego? Quão diverso? Qual relação com o meio ambiente? Qual o impacto positivo para nossa a sociedade? Muitas perguntas caminhando na direção de uma maior consciência, agora com exigências práticas.

Posso falar com mais propriedade da construção civil, que é minha área de atuação. Reconheço que é um setor historicamente de muito impacto ambiental, mas com grande potencial para transformar isso por meio de avanços tecnológicos e de processo. Por outro lado, como grande gerador de emprego e renda, pode evoluir muito para assim promover melhorias em nossa sociedade.

Por exemplo, por meio da inovação, com novas tecnologias, podemos contratar profissionais para suas primeiras oportunidades de trabalho, treiná-los e desenvolvê-los certamente transforma contextos. Já falei mais sobre isso nessa reportagem da HSM Management.

Naturalmente, vemos a força com que os critérios ESG estão se estabelecendo em pleno 2020. É um movimento amplo e sem volta. Eu não acredito em sustentabilidade sem resultado, em performance sem propósito.

Valores ou pressão
A realidade é que as empresas podem entrar nesse movimento por dois motivos: por valores dos acionistas e dirigentes ou por pura pressão.

Já estamos vivenciando uma nova geração mais consciente, que está trazendo um novo nível de exigência das empresas.

Essa pressão se manifesta em várias esferas com essa geração, seja no chapéu de clientes – que questionam mais, por exemplo, as origens de matérias-primas, o tratamento de funcionários e a diversidade –, seja no chapéu de novos funcionários – que cada dia vão exigir mais dos líderes o conceito que falo do “walk the talk”, de fazer na prática as palavras bonitas que se escrevem nas paredes e anúncios, para que permaneçam nessas organizações.

Paralelo a isso, vemos, nos últimos dez anos, uma grande força do empreendedorismo jovem no país. Esses empreendedores são parceiros das grandes empresas e, por isso, exigem posicionamentos no mesmo sentido.

Pressão e tração têm gerado um movimento positivo na sociedade. E, com isso, essa força começa a falar muito alto pelo lado financeiro, tanto de fundos quanto de bancos. No Brasil, ainda estamos engatinhando, mas tudo indica que chega a passos largos.

“A transição (para a economia verde) é uma das principais oportunidades do nosso tempo, porque haverá amplos investimentos no Brasil e no exterior”

A frase acima é do próprio presidente da BlackRock, Larry Fink. Ou seja, ainda há esperanças. Mas, claro, é preciso agir.

 

Esta notícia foi publicada originalmente no portal Administradores.

Publicado na CompliancePME em 8 de outubro de 2020