Por Claudia Pitta

Nos últimos anos, um “tsunami” ESG inundou o mundo capitalista, pregando o conceito de que a função da empresa é “gerar valor a todos os stakeholders”, “gerar valor compartilhado e sustentável” e até “prover soluções lucrativas para problemas das pessoas e do planeta”.

Como o movimento é capitaneado pelos grandes agentes do capitalismo, prevalece uma percepção de que resolver problemas sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que se organiza a governança corporativa, é uma empreitada complexa e custosa, ao alcance apenas das grandes corporações e investidores.

Daí as perguntas recorrentes sobre a aplicabilidade e a viabilidade da agenda ESG no universo das PMEs. Empresas menores devem se preocupar com esse movimento? Elas têm capacidade para adotar medidas ESG? A resposta a essas perguntas é um ressonante “sim”. Não apenas a agenda ESG se aplica a PMEs, como o movimento seria extremamente limitado se não incluísse as empresas de menor porte, que correspondem a mais de 90% da economia no Brasil.

Se entendermos ESG como o conjunto de mecanismos adotados por uma organização visando a assegurar a longevidade do negócio, otimizar o retorno econômico para os sócios e promover a geração de valor para a sociedade em geral, incluindo clientes, empregados e as comunidades onde atua (“stakeholders”) e buscando a preservação do meio ambiente, fica fácil concluir que o conceito é válido para qualquer empresa, independentemente de dimensão, natureza da atividade econômica, estrutura de capital ou outros fatores.

No caso específico da PME, endereçar questões básicas de governança pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um empreendimento. Uma delas é a possibilidade de relacionar-se com grandes companhias, seja como fornecedor ou distribuidor de seus produtos, por exemplo. Grandes organizações vêm ampliando o rigor nas exigências de Compliance e sustentabilidade socioambiental de seus parceiros comerciais. Questionários, pesquisas de antecedentes e reputação e due diligence ESG tornam-se cada vez mais comuns e resultam em expressiva vantagem competitiva para empresas menores que estejam mais avançadas nesses quesitos.

Da mesma forma, instituições financeiras vêm gradativamente adotando padrões mais rigorosos para concessão de financiamento e/ou oferecendo condições mais vantajosas a pequenas empresas que demonstrem boas práticas ESG.

É preciso desmistificar a noção de que ESG é um movimento complexo que envolve altos custos e, portanto, inacessível a empresas menores. A diferença é que os primeiros passos da “jornada ESG” dessas empresas tendem a ser muito mais simples e mais voltados à conscientização de sócios e líderes e a adaptações graduais.

Em primeiro lugar, as PMEs tendem a estar mais próximas de seus clientes, o que permite entender suas expectativas, demandas e sugestões. Em segundo lugar, o número menor de colaboradores facilita a interação entre esses e a liderança, o desenvolvimento de uma cultura ética, de transparência, respeito, abertura ao diálogo, diversidade e inclusão. Por último, é geralmente mais fácil implementar mudanças em produtos, processos produtivos e práticas de gestão em empresas menores.

Pensar em questões básicas de governança em empresas menores pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um empreendimento. Com clareza em torno do propósito e dos valores e uma governança minimamente organizada, fica mais fácil ouvir e compreender a perspectiva dos diferentes stakeholders – suas queixas, preferências, sugestões, assim como o impacto da empresa sobre o meio ambiente.

As PMEs podem fazer uma reflexão estruturada sobre algumas questões: Quem são os públicos afetados por nossas atividades? Como queremos ser percebidos por esses públicos? Quais são as nossas principais externalidades negativas? Há alguma forma de mitigá-las? Considerando a natureza de nosso negócio e atividades, onde podemos ampliar o impacto positivo para nossos empregados, clientes ou para a comunidade?

Para apoiá-las nessa reflexão, empresas menores podem lançar mão de alguma das diversas referências existentes. As duas mais reconhecidas são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que hoje contam com uma ferramenta online gratuita para auxiliar as empresas na implementação, e a avaliação de impacto do Sistema B — uma organização sem fins lucrativos que confere um selo a empresas que equilibram adequadamente lucro e desempenho ESG.

A pauta ESG é tão importante quanto viável para as PMEs. Mas é fundamental ter em mente que, para que atinjam seus objetivos, as medidas de governança e sustentabilidade socioambiental não devem ser implementadas apenas “para inglês ver”. Precisam ser refletidas, discutidas, amadurecidas e implementadas de forma a serem efetivas e aperfeiçoadas constantemente, de acordo com as lições aprendidas com a experiência. Em ESG, mais importante do que fazer muito é fazer certo, gerando impacto positivo real e duradouro para o negócio, seus stakeholders e o meio ambiente.

* Sobre a autora: Consultora e professora de Ética Organizacional e ESG, fundadora da Evolure Consultoria, mentora e sócia da plataforma digital CompliancePME, diretora do Ibrademp e coordenadora de sua Comissão ESG e membro da Comissão de Ética do IBGC. Claudia.pitta.@evolureconsultoria.com.br
Publicada originalmente no Diário do Comércio
Publicado na CompliancePME em 24 de maio de 2022