Publicado na CompliancePME em 25 de agosto de 2022

Há algum tempo, os programas de compliance vêm ocupando um lugar de destaque nas empresas. Não só por reverberarem os pilares de controle, detecção e prevenção de irregularidades, mas também pelo seu significado construtor — capaz de edificar uma imagem matrimoniada com princípios éticos e refleti-la aos principais stakeholders da organização.

Talvez essa conjuntura bastaria, em outros tempos. Mas inicio esta reflexão convencido de que trafegar por essa via destinada a enxergar, exclusivamente, as práticas de conformidade em seu viés instrumental como fim pode comprometer, em algum grau, a perenidade dos negócios.

Digo isso porque é necessário reconhecer a complexidade que permeia a supervisão de riscos, sobretudo neste início de década. O relatório Audit Committee Practices publicado no início deste ano pelo Center for Audit Quality – organização americana que promove melhorias à área de auditoria – acena deliberadamente para isso.

A organização alerta auditores para o fato de que o escopo de supervisão tem ficado cada vez mais complexo. Além dos riscos que as companhias enfrentam desde sua fundação, há desafios novos aos programas de compliance como a segurança cibernética (incluindo práticas antifraudes e privacidade de dados) e a vigilância a relatórios ambientais, sociais e de governança.

Em julho, o Brasil deu um passo importante por meio do Decreto 11.129/2022, que regulamenta a Lei Anticorrupção (12.846/2013). O instrumento reforça a adoção e a ampliação dos programas de integridade e os deixa mais próximos da normatização internacional — traço importante para amadurecimento do princípio de confiança no ecossistema de negócios do país. Além disso, confere um endosso à cultura organizacional em compliance, por meio da comunicação e do treinamento para a constância do tema nas empresas.

Conselheiros de administração e toda a gestão devem ficar atentos ao comprometimento efetivo da administração com o compliance, incluindo investimentos em programas específicos; gestão e prevenção de riscos mais eficazes e rigorosos; diligências acuradas na contratação e supervisão de serviços de terceiros; além do monitoramento cuidadoso dos atos de doações e patrocínios, de modo que atendam a todos os preceitos legais.

Mas qual perspectiva, entre possibilidades simplificadoras e complexas, será adotada para reforçar a cultura organizacional em compliance?

Pautada no pensamento do antropólogo francês Edgar Morin, a Teoria da Complexidade traz evidências de que uma perspectiva multidimensional, que inclui até mesmo a incompletude e a incerteza no processo, se mostra mais abrangente do que a perspectiva simplificadora que segrega saberes, fazeres e instrumentos. Dessa forma, ao contrário do que aparenta, a complexidade anunciada pelos novos riscos da década pode ser um caminho legítimo para aproximar diferentes saberes e amplificar repertórios de enfrentamento aos riscos.

Em tempos de mudança e volatilidade de processos e relações, me parece algo valoroso a se fazer.

Por Henrique Luz ([email protected]), CCA+, CCoAud+ e CCF IBGC, membro independente de conselhos e ex-presidente do conselho de administração do IBGC   

Publicado originalmente no site Capital Aberto.