Há algum tempo, os programas de complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... vêm ocupando um lugar de destaque nas empresas. Não só por reverberarem os pilares de controle, detecção e prevenção de irregularidades, mas também pelo seu significado construtor — capaz de edificar uma imagem matrimoniada com princípios éticosTrata-se de uma regra que serve como guia para definir a conduta, que é considerada válida ou boa. As pessoas têm diferentes princípios éticos, pois estão ligados à consciência de... e refleti-la aos principais stakeholdersPessoas ou grupos de pessoas com algum grau de envolvimento ou interesse em uma organização ou entidade, tais como empregados, clientes, fornecedores ou cidadãos que podem ser afetados por determinada... da organização.
Talvez essa conjuntura bastaria, em outros tempos. Mas inicio esta reflexão convencido de que trafegar por essa via destinada a enxergar, exclusivamente, as práticas de conformidade em seu viés instrumental como fim pode comprometer, em algum grau, a perenidade dos negócios.
Digo isso porque é necessário reconhecer a complexidade que permeia a supervisão de riscos, sobretudo neste início de década. O relatório Audit Committee Practices publicado no início deste ano pelo Center for Audit Quality – organização americana que promove melhorias à área de auditoriaÉ um processo de verificação e análise de atividades desenvolvidas por uma determinada empresa. O seu objetivo principal é examinar se elas estão de acordo com o que foi planejado... – acena deliberadamente para isso.
A organização alerta auditores para o fato de que o escopo de supervisão tem ficado cada vez mais complexo. Além dos riscos que as companhias enfrentam desde sua fundação, há desafios novos aos programas de compliance como a segurança cibernéticaé um conjunto de práticas que protege informação armazenada nos computadores e aparelhos de computação e transmitida através das redes de comunicação, incluindo a Internet e telefones celulares.... (incluindo práticas antifraudes e privacidade de dados) e a vigilância a relatórios ambientais, sociais e de governança.
Em julho, o Brasil deu um passo importante por meio do Decreto 11.129/2022, que regulamenta a Lei AnticorrupçãoLei nº 12.846 / 2013): Conhecida como a Lei Anticorrupção e , no exterior , como The Clean Company Act ( Lei da Empresa Limpa ) promulgada em 1º de agosto... (12.846/2013). O instrumento reforça a adoção e a ampliação dos programas de integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões. e os deixa mais próximos da normatização internacional — traço importante para amadurecimento do princípio de confiança no ecossistema de negócios do país. Além disso, confere um endosso à cultura organizacional em compliance, por meio da comunicação e do treinamento para a constância do tema nas empresas.
Conselheiros de administração e toda a gestão devem ficar atentos ao comprometimento efetivo da administração com o compliance, incluindo investimentos em programas específicos; gestão e prevenção de riscos mais eficazes e rigorosos; diligências acuradas na contratação e supervisão de serviços de terceiros; além do monitoramento cuidadoso dos atos de doações e patrocínios, de modo que atendam a todos os preceitos legais.
Mas qual perspectiva, entre possibilidades simplificadoras e complexas, será adotada para reforçar a cultura organizacional em compliance?
Pautada no pensamento do antropólogo francês Edgar Morin, a Teoria da Complexidade traz evidências de que uma perspectiva multidimensional, que inclui até mesmo a incompletude e a incerteza no processo, se mostra mais abrangente do que a perspectiva simplificadora que segrega saberes, fazeres e instrumentos. Dessa forma, ao contrário do que aparenta, a complexidade anunciada pelos novos riscos da década pode ser um caminho legítimo para aproximar diferentes saberes e amplificar repertórios de enfrentamento aos riscos.
Em tempos de mudança e volatilidade de processos e relações, me parece algo valoroso a se fazer.
Por Henrique Luz (henrique@henriqueluz.com.br), CCA+, CCoAud+ e CCF IBGC, membro independente de conselhos e ex-presidente do conselho de administração do IBGC
Publicado originalmente no site Capital Aberto.