Por Renato Cirne*

As empresas brasileiras experimentaram ao longo dos últimos anos uma forte transformação cultural, fruto de uma crescente conscientização social e ambiental, estimulada também pelo ingresso de novos consumidores, novos profissionais e investidores.

Assim, para atender a essa demanda, vêm implementando mudanças em seus processos internos e fortalecendo um sistema de compliance que atenda também às demandas da agenda ESG.

Sobre esse tema, fizemos três perguntas para Gisela Gadelha, diretora de Compliance e Jurídico da Firjan  (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro).

Bússola: De acordo com Larry Fink, CEO da Black Rock, de janeiro até novembro do ano passado, investidores injetaram US$ 288 bilhões, globalmente, em ativos sustentáveis. O volume é mais do que o dobro do registrado no ano todo de 2019. O quanto essa transação deverá ser acelerada nos próximos anos e o quanto ela é impulsionada também por motivos geracionais?

Gisela Gadelha: Segundo Gerd Leonhard, um dos mais reconhecidos observadores de futuro e estrategista de negócios do mundo, “o mundo irá mudar mais nos próximos 10 anos do que mudou nos últimos 100 anos”.  As indústrias vão se transformar nos próximos anos, o que exigirá um novo mindset do mercado financeiro. E essas mudanças já começaram em razão de diversos fatores. Dentre outros, as regulamentações cada vez mais rigorosas, os riscos causados pelas emergências climáticas, a Agenda 2030 e as mudanças geracionais.

As empresas e o setor financeiro têm sido pressionados pelas mudanças de valores decorrentes da transição geracional que estamos vivendo.

Conectadas globalmente e conscientes das questões ambientais e sociais, a geração Z (pessoas nascidas entre 1995 e 2015) usa o ativismo digital para estimular um mercado mais sustentável. Na mesma linha, a geração Millennials (pessoas nascidas entre 1980 e 1994) tem sido propulsora do investimento sustentável. Por fim, importante ressaltar que, embora a onda de sustentabilidade esteja sendo impulsionada pelas gerações mais jovens, houve uma mudança de comportamento por parte de todas as gerações.

Bússola: Uma pesquisa realizada pela Black Rock comprova o aumento do interesse por assuntos socioambientais e de governança entre os investidores. O levantamento ouviu 425 investidores, de 27 países, que administram um total de US$ 25 trilhões.

Mais da metade dos participantes (54%) considera que os investimentos sustentáveis são fundamentais para os resultados. Esses investidores planejam dobrar a participação dos ativos ESG em suas carteiras. O quanto a pandemia acelerou esse processo de incorporação da agenda ESG nos investidores institucionais?

GG: As transformações abruptas provocadas pela pandemia, geraram forte sentimento de incerteza e trouxeram à tona a importância da interconexão entre sociedade, economia e natureza.

Segundo o The Global Risk Report 2021, os principais riscos deste ano estão relacionados à emergência climática (perda da biodiversidade, eventos climáticos extremos e danos ambientais causados pelo homem).

Neste contexto, investidores buscam opções mais seguras, resilientes e sustentáveis, razão pela qual as práticas ESG se tornaram um importante diferencial competitivo na tomada de decisão. Afinal, nenhum investidor quer associar sua marca a atividades que impactem de forma negativa, colocando em risco sua reputação.

Em suma, a pandemia não apenas acelerou o processo de incorporação da agenda ESG, como também será um divisor de águas no que diz respeito à postura das instituições. Passada a crise, investidores, consumidores e demais stakeholders lembrarão quem buscou soluções para beneficiar a sociedade como um todo.

Bússola: O capitalismo de stakeholders defende que as empresas tomem decisões pensando nos impactos sobre consumidores, investidores, fornecedores e a sociedade. Mas esses stakeholders são capazes de cobrar, de fato, ações reais das empresas em relação a essas questões? A falta de métricas mais claras ainda facilita o greenwashing?

GG: O valor total aplicado em ativos financeiros que seguem critérios do ESG dobrou nos dois últimos anos. Esse aumento reflete a crescente preocupação do mercado com as questões relacionadas à sustentabilidade e aos objetivos de longo prazo das empresas – chamado de “capitalismo de stakeholders”.  Com o passar do tempo, os investidores estão cada vez mais rigorosos nos critérios de avaliação das suas decisões.

Algumas empresas de investimentos desenvolveram metodologias próprias, permitindo a ponderação dos fatores com base em seus valores e nas questões que entendem ter maior impacto financeiro, levando-se em conta o setor, indústria ou empresa.

No entanto, para que haja uma comparação mais assertiva e padronizada dos dados ESG, em 2020, o Fórum Econômico Mundial divulgou um relatório  (Measuring Stakeholder Capitalism: WEF IBC common metrics) sugerindo a observância de 55 métricas (21 principais e 34 complementares) baseadas em 4 pilares: 1) princípios de governança, relacionados dentre outros aspectos, à atuação baseada na transparência e ética, além de ter os aspectos do ESG incorporados no planejamento estratégico da empresa ; 2) planeta, referente ao impacto da empresa no meio ambiente; 3) pessoas, haja vista a necessidade de analisar critérios como a diversidade, processo de sucessão e política de remuneração; e 4) prosperidade, com vistas a avaliar como a empresa afeta a sociedade e exerce sua função social.

Essa padronização garantirá a qualidade dos dados divulgados e certamente ajudará na melhor avaliação dos aspectos relacionados ao ESG, diferenciando as empresas que, de fato, adotam ações reais de sustentabilidade, daquelas que apenas praticam greenwashing.

*Renato Cirne é sócio da GB3S Compliance

Notícia publicada originalmente na Exame.

Publicado na CompliancePME em 14 de maio de 2021