O viés de gênero é um desvio sistemático de julgamento baseado em estereótipos sobre o que se espera de homens e mulheres. No ambiente corporativo, esse viés costuma operar de forma silenciosa e insidiosa, moldando desde a percepção de competência até a credibilidade de uma denúncia.

Estas tendências se manifestam, por exemplo, ao analisar denúncias envolvendo situações de desigualdade de pagamentos em funções equivalentes, em demissões arbitrárias para mulheres que retornam da licença maternidade, e até na dificuldade de promoções e de visibilidade enfrentadas por mulheres em idade reprodutiva.

Estes temas são intrinsecamente ligados à condição feminina no local de trabalho, e prejudiciais às mulheres que podem sofrer preconceitos relacionados à percepção de menor disponibilidade para atender aos interesses do empregador, ou até de competência ou produtividade inferiores do que seus pares homens.

Quando falamos de investigações de compliance trabalhista, especialmente em casos de assédio moral ou sexual, as tendências inconscientes têm o poder de distorcer a leitura dos fatos, impactar a seriedade com que uma denúncia é tratada e influenciar, diretamente, a responsabilização dos envolvidos.

É importante tratarmos sobre como o viés de gênero impacta as práticas de compliance, os impactos positivos de comissões diversas e interseccionais, e estratégias para promover um ambiente corporativo mais justo e inclusivo, que trazem benefícios para a empresa como estratégia de longo prazo.

Exemplificando, em casos de assédio moral, que envolvem humilhação e constrangimento, as vítimas, frequentemente mulheres, podem ter suas reações minimizadas ou ser responsabilizadas pela situação. Já o assédio sexual, embora seja mais reconhecido pela sua natureza agressiva, é muitas vezes relativizado como “brincadeira” em culturas corporativas masculinizadas.

Esses vieses não apenas distorcem a forma como são percebidos esses tipos de assédio, mas também influenciam as reações da empresa frente às denúncias, que podem variar de negligência a retaliações veladas.

Uma pesquisa publicada pela Harvard Business Review revelou que mulheres que denunciam assédio enfrentam maiores chances de serem vistas como problemáticas ou desleais à empresa, ao passo que seus agressores, quando em cargos de liderança, frequentemente recebem o benefício da dúvida.

A pesquisa se baseia em dados analisados após o movimento #MeToo, nos quais observou-se uma queda significativa nas experiências de coerção sexual e atenção sexual indesejada relatadas por mulheres, uma indicação positiva de que formas mais explícitas e graves de assédio estão sendo, ao menos em parte, coibidas.

Contudo, esse avanço ainda precisa ser mais desenvolvido para garantir um ambiente de trabalho efetivamente seguro e igualitário. Em artigo divulgado pelo MIT Sloan Management Review em 2023, revelou-se que mulheres têm 41% mais chances de vivenciar uma cultura tóxica no local de trabalho do que os homens, a exemplo de ambientes não inclusivos, desvalorização das contribuições das mulheres, e microagressões, como situações em que mulheres são ignoradas ou silenciadas.

A normalização desse ambiente hostil mina as oportunidades de crescimento das mulheres, afetando sua autoestima, alimentando a dúvida sobre sua competência e, por consequência, diminuindo suas chances reais de alcançar posições de destaque no mercado de trabalho.

A devida atenção das empresas para situações hostis e para denúncias é primordial. Para combater o viés de gênero, a composição das comissões de apuração de denúncias é determinante.

Comissões predominantemente masculinas podem minimizar questões de gênero por falta de empatia ou compreensão das dinâmicas de poder. A participação de mulheres nessas comissões garante que as experiências femininas sejam reconhecidas e tratadas com seriedade, criando um ambiente mais acolhedor para as vítimas.

Além da diversidade de gênero, a interseccionalidade, que considera a interligação de gênero, raça, classe, sexualidade e outras identidades, também é essencial. Comissões com diversidade racial, etária e de orientação sexual podem analisar as dinâmicas de poder de forma mais profunda, propondo soluções sensíveis às realidades das vítimas. Essa abordagem fortalece a justiça empresarial, promovendo políticas de compliance que combatem múltiplas formas de discriminação.

A capacitação de equipes de compliance e recursos humanos é fundamental para identificar e mitigar vieses de gênero. Treinamentos devem abordar os diferentes tipos de assédio, formas sutis de discriminação e barreiras estruturais que afetam grupos marginalizados.

É possível, inclusive, inspirar-se em iniciativas como o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do Poder Judiciário brasileiro, que pode ajudar a estruturar investigações mais justas, garantindo que as vítimas se sintam seguras para denunciar sem medo de retaliação.

Empresas devem implementar diretrizes de compliance com recorte de gênero, incluindo análise de viés nas apurações, comissões diversas e programas de prevenção, como mentorias para mulheres e rodas de conversas para homens. Essas práticas não apenas cumprem a legislação, mas também promovem um ambiente de trabalho equitativo.

Esse é um papel que deve incluir também a alta liderança, cujo poder a permite se envolver ativamente na promoção de uma cultura ética e inclusiva. Líderes têm a responsabilidade de definir o tom da organização, integrando práticas inclusivas à missão corporativa.

Adotar práticas de compliance com foco em gênero não é apenas uma questão ética, mas também uma estratégia de longo prazo. Empresas que priorizam a equidade atraem investidores, aumentam a satisfação dos colaboradores e fortalecem sua reputação no mercado.

O viés de gênero no ambiente corporativo é um desafio que exige ações concretas e estruturadas. Por meio de comissões diversas, capacitação contínua, políticas inclusivas e liderança engajada, as empresas podem transformar o compliance em uma ferramenta poderosa para promover equidade e justiça.

Disponível originalmente no Migalhas. Publicado na CompliancePME em 30 de abril de 2025