No livro Uma Breve História Sobre a Igualdade, o economista francês Thomas Piketty apresenta uma história breve mas surpreendentemente otimista do caminho da humanidade rumo à igualdade, apesar de todas as crises, catástrofes e retrocessos. Seguindo nessa linha, aproveito para tentar trazer uma mensagem de esperança para o esporte sobre conformidade e direitos humanosConjunto de princípios universais que garantem dignidade, liberdade, igualdade e proteção a todas as pessoas — fundamento ético do pilar social do ESG..
Nas duas últimas semanas participei de dois eventos importantes. Um da SIGA, entidade Global que trabalha com integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões. no esporte, e do São Paulo e outro evento da OAB de São Paulo com a Ponte Preta e a Federação Paulista. Nos dois eventos que reuniram autoridades do Estado, lideranças do esporte, investidores e atletas, os principais temas foram direitos humanos e conformidade.
Mesmo que não seja no ritmo que gostaríamos, é inegável que estamos avançando em pautas necessárias. O esporte tem cada vez mais entendido isso, como forma de proteger compromissos inegociáveis, como direitos humanos, e como forma de proteger reputação (e, por tabela, recursos).
Vou trazer aqui duas conquistas importantíssimas que podem ajudar você a vencer a desesperança.
ComplianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... no COI
Pela primeira vez na história das Olimpíadas, os Jogos de 2024, em Paris, passaram a ter um programa de complianceNo Brasil também conhecido como "programa de conformidade” ou "programa de integridade" , é o modelo para estruturação e aplicação de ações dentro de uma organização visando o cumprimento das.... Dentro dele, foi dada uma atenção a proteção de direitos humanos e ao combate à corrupçãoEtimologicamente, o termo corrupção surgiu a partir do latim corruptus, que significa o "ato de quebrar aos pedaços", ou seja, decompor e deteriorar algo. É o ato ou efeito de....
Nos item 13, e 13.1, são apresentados o compromisso da cidade-sede com os princípios da Carta Olímpica, como a proteção de direitos humanos. Já o item 13.2 do documento diz que a cidade anfitriã, o comitêGrupo de pessoas escolhido para análisar assuntos específicos, podendo ser composto por membros externos da empresa; olímpico nacional e o comitê organizador dos jogos devem “abster-se de qualquer ato envolvendo fraudeDesvio de comportamento com a intenção de enganar terceiros e adquirir vantagens ilícitas, seja em relações pessoais ou comerciais. ou corrupção, de forma consistente com quaisquer acordos internacionais, leis e regulamentos aplicáveis no país anfitrião e todos os padrões anticorrupção internacionalmente reconhecidos aplicáveis no país anfitrião, inclusive estabelecendo e mantendo relatórios efetivos e compliance”.
Além disso, o documento exige respeito às leis nacionais e internacionais de direitos humanos. Dessa maneira, por exemplo, a cidade-sede não pode contratar empresas que usam trabalho escravo, além de intensificar o combate ao tráfico de pessoas, por exemplo.
O documento também determina que se for constatado algum ato de corrupção ou que viole os direitos humanos, a sede dos Jogos deverá pagar multa ao Comitê Olímpico Internacional. E mais: se a falta for muito grave, está prevista, inclusive, a possibilidade do COI determinar a troca de sede das Olimpíadas.
No futebol?
Depois do escândalo do Fifagate, a Fifa precisava criar uma agenda positiva. Dentro dessa estratégia, a valorização de direitos humanos ganhou destaque. Em 2017, foi lançada a Política de Direitos Humanos da entidade.
Como avanço trazido por essa política, há que se destacar a Copa de 2026, com sede em três países – Canadá, México e Estados Unidos. Ela é a primeira a ter no contrato com o país-sede cláusulas de direitos humanos.
Como parte dessas medidas, os países sedes do Mundial precisam se comprometer a seguir obrigatoriamente os princípios orientadores da ONU sobre empresas e direitos humanos e a desenvolver estratégias nessa proteção.
A determinação acaba por trazer para o ambiente esportivo o debate necessário e contemporâneo indispensável à sociedade, aos Estados e aos organismos internacionais. O esporte não se afasta do direito e o direito não se afasta da proteção de direitos humanos.
2024 e 2026, novos tempos?
Com essas novidades, as principais entidades do esporte mundial vão além da proteção da integridade e dos direitos humanos. Elas também protegem a própria autonomia, evitando irritações que a vigilância do Estado poderia trazer.
As medidas tomadas para escolhas das sedes de grandes eventos esportivos decorrem também de recomendações constantes em suas novas políticas e regramentos internos. Isso mostra uma resposta efetiva do movimento esportivo às críticas que sofreu relacionadas a questões como sustentabilidade, transparênciaÉ o que se pode ver através, que é evidente ou que se deixa transparecer. É a virtude que impede a ocultação de alguma vantagem pessoal., gestão e respeito aos direitos humanos.
Os eventos que São Paulo presenciou nos últimos dias são mais um outdoor desses novos tempos. Como Piketty lembrou em seu livro, até a década de 1960 (sessenta anos atrás apenas!) negros tinham menos direitos que brancos nos Estados Unidos. Se a conquista jurídica ainda não alcançou a necessária conquista emancipatória, é inegável que já avançamos.
Para seguir em frente o desafio é bem claro, tornar o discurso institucional prática efetiva, de conformidade e de proteção de direitos humanos. No esporte e na vida.
Publicada originalmente no UOL