O Decreto 11.129 de 12 de julho de 2022 alterou a regulamentação da Lei AnticorrupçãoLei nº 12.846 / 2013): Conhecida como a Lei Anticorrupção e , no exterior , como The Clean Company Act ( Lei da Empresa Limpa ) promulgada em 1º de agosto... de 2013, que foi originalmente regulamentada em 2015 pelo Decreto 8.420. De nossa atuação profissional pudemos ver que muitos stakeholdersPessoas ou grupos de pessoas com algum grau de envolvimento ou interesse em uma organização ou entidade, tais como empregados, clientes, fornecedores ou cidadãos que podem ser afetados por determinada... privados e públicos esperavam a regulamentação para poder desenhar e implementar a sua política interna de complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de....
Quando há a aprovação de uma lei, não necessariamente se necessita de regulamentação adicional para iniciar sua aplicação.
Em especial quando se considera a realidade de empresas transnacionais, é muito comum que os parâmetros estabelecidos de conformidade sejam bastante superiores ao que a legislação pátria determina, seja por estarem sujeitas às leis mais duras de seus países de origem ou por pressão de stakeholders institucionais (em especial, investidores e a sociedade civil). Dessa forma, a regulamentação de uma Lei Anticorrupção, para essas empresas, pode funcionar mais para dar segurança jurídica sobre quais podem ser as consequências de determinado ato, do que propriamente ser um garantidor de enforcement.
O uso do anglicismo não foi à toa. O enforcement de legislações anticorrupção nos precedentes internacionais vem da possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas independentemente de culpa ou dolo. É a chamada responsabilização objetiva. Esse tipo de responsabilização já estava destacada no artigo 5º da Lei Anticorrupção, mas o que se espera com a nova regulamentação é mais clareza quanto a sua aplicação.
O Decreto 11.129 estabelece o procedimento para responsabilização administrativa (PAR), desde a abertura da investigação preliminar até o desfecho do processo administrativo disciplinar. É notório que esse decreto considera a experiência da investigação da Lava Jato e dá mais clareza quanto aos aspectos processuais do PAR – por exemplo, contagem de prazo de intimações, produção de provas, os parâmetros da comissão investigadora na produção do relatório final e o fechamento e negociação de acordo de leniênciaA palavra “leniência” deriva do latim (lenitate) e significa brandura, suavidade e mansidão. O sentido do instituto do acordo de leniência é impor compromisso e responsabilidade às pessoas jurídicas que....
No âmbito do Poder Executivo federal, o papel da Controladoria-Geral da União (CGUControladoria Geral da União (CGU): é um órgão federativo de controle interno que atua na defesa do patrimônio e na transparência das receitas, despesas e atividades da gestão pública. Nos...) parece ser mais facilmente identificável como corresponsável pela condução e julgamento do PAR, mas nos entes subnacionais talvez haja poucas condições de se conduzir investigações de alta complexidade e fazer acordos de leniência. Isso é especialmente preocupante pois a repercussão nas empresas pode ser grande.
Além da multa — aliás, agora com parâmetros bem definidos — da decisão administrativa sancionadora e do encaminhamento do processo para a via judicial, existe um evidente dano à imagem que vai além. A legislação considera essa realidade das empresas quando estabelece também os critérios de avaliação dos programas de conformidade das pessoas jurídicas, bem como a criação de um Cadastro Nacional de Empresas Idôneas e Suspensas e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas.
Nenhuma empresa que preza por sua reputação estará confortável em ver seu programa de conformidade desaprovado pelo governo brasileiro, ou pior, ter sua marca grafada como inidônea em um cadastro oficial. Nesse aspecto o arcabouço legal brasileiro parece caminhar na direção de fomentar uma cultura de éticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral. e conformidade (ou compliance) que transcende a mera imposição de multas e impossibilidade de contratação com a administração
Por que fomentar essa cultura é tão importante? Ora, pelo contrafactual, já responderíamos que o artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Se esses princípios constitucionais fossem cumpridos, não teríamos Lava Jato, certo?
O importante é que quando há uma construção coletiva de comportamento ético, há uma coesão social em punir menos os erros e premiar mais os acertos, ou pelo menos ser mais tolerante diante do contraditório. Em outras palavras, haveria uma valorização maior na entrega de um prêmio sobre ética do que atenção midiática exacerbada a um ex-governador preso. A imprensa tem um papel a desempenhar aqui: conhecer essa legislação, celebrar os bons agentes e não mais confundir lobbyAtividade de pressão de um grupo organizado (de interesse, de propaganda etc.) sobre políticos e poderes públicos, que visa exercer sobre estes qualquer influência ao seu alcance, mas sem buscar... com corrupçãoEtimologicamente, o termo corrupção surgiu a partir do latim corruptus, que significa o "ato de quebrar aos pedaços", ou seja, decompor e deteriorar algo. É o ato ou efeito de....
O Instituto de Relações Governamentais (Irelgov) tem promovido esses debates desde sua fundação para ter um marco regulatório claro e efetivo. Mas um dos aspectos mais importantes trazidos pelo Irelgov é que a iniciativa privada tem preponderância no desenho dessa política pública — afinal, a atuação prática das empresas impacta a vida social mais fortemente do que a legislação por si só. Nesse sentido, ter uma boa legislação de baixa adesão e aplicabilidade causaria mais insegurança jurídica.
Por certo que a nova regulamentação aporta o amadurecimento institucional, pois pressupõe diálogo e consultas aos agentes econômicos dentre outros agentes públicos. Com isso, se espera que a alta administração dessas instituições implementem a fortiori a política de compliance.
A CGU declara que “foram instaurados um total de 1.154 processos administrativos de responsabilização, resultando na aplicação de um montante de multas financeiras superior a R$ 270 milhões. No mesmo período, foram celebrados 19 acordos de leniência que implicaram no compromisso de devolução de mais de R$ 15 bilhões para os cofres públicos” [1].
Outro item de destaque é o escopo de atuação em que a pessoa jurídica brasileira que cometa a infração no exterior, ainda que parcialmente, se enquadrará nessa norma. Esse é um reflexo da internacionalização econômica do país que em determinado momento teve que sinalizar anuência ao UK Bribery Act e ao Foreign Corrupt Practices ActA Lei de Práticas de Corrupção no Exterior norte - americana promulgada em 1977 , com dois principais grupos de disposições : um sobre pagamento de propinas a autoridades estrangeiras... americano, que também aplicam sanções a agentes que cometam atos de corrupção em países estrangeiros.
A maior alteração vem do artigo 57 do Decreto 11.129 referente à aplicação do Programa de IntegridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões., indicando diretrizes da Recomendação da OCDE(OCDE): no combate mundial à corrupção, a OCDE desempenhou papel importante pois seus Estados membros firmaram a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais... sobre Integridade Pública que aponta materializar o esforço nessa implementação, e não é apenas declaratório:
I — Comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa, bem como pela destinação de recursos adequados;
II — Padrões de conduta, código de éticaDocumento com diretrizes que norteiam a postura e as atitudes dos colaboradores, baseados em atos considerados ideais ou moralmente corretos., políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente do cargo ou da função exercida;
III — Padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados.
Assim como na política identitária de combate ao racismo “Não basta não ser racista, temos que ser antirracistas”, dizemos que “Não basta ser íntegro, temos que ser anticorruptos”. Temos pouco mais de 60 dias até o primeiro turno das eleições de 2022. Esperamos que as inovações à legislação estimulem elegermos políticos antirracistas, íntegros e anticorruptos.
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As informações e opiniões neste texto são de responsabilidade dos autores e não reflete necessariamente o posicionamento do Instituto de Relações Governamentais.
[1] Controladoria-Geral da União. https://www.gov.br/corregedorias/pt-br/faq/faq-decreto-no-11-129-de-11-de-julho-de-2022. Acesso em 20/7/2022
Wagner Parente – CEOChief Executive Officer (CEO): O Chefe Executivo da empresa, conhecido também como Diretor Executivo, Diretor Geral e Diretor Presidente ou Presidente. da BMJ e conselheiro do IRELGOV (2020-22/2022-24)
Anselmo Takaki – Consultor de Relações Institucionais e Governamentais. Membro fundador do IRELGOV e ex-conselheiro do instituto (2016-2018)
Originalmente publicado no JOTA