Por Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Luciana Alves De Azevedo, Marcos Paulo Silva da Cruz e Guilherme Nascimento Nunes *

 

Os movimentos reformistas que floresceram no mundo ocidental no final da década de 1980 tiveram interpretações que textualmente colocavam o Estado no centro dos problemas. Passados quase meio século, essas ideias ainda permeiam vozes que ecoam em periódicos, livros e falas, onde o aparelho estatal figura de forma negativa, seja na crise ou na bonança, em especial quando se usa uma palavra polissêmica e que sempre é associada a algo indesejável: a burocracia.

Burocracia que surge na discussão seminal do pensador alemão Max Weber (1864-1920) como uma forma de organização daquela nova sociedade que despontava no final do século 19, em uma resposta ao patrimonialismo que ainda persiste nas relações, e que se vê no discurso reformista do final do século 20 como a causa de ineficiência, confundindo a sua essência com a deturpação de uma patologia, na ocorrência da burocracia ensimesmada.

E se chega ao século 21, em uma dicotomia no debate sobre o setor público, onde se abominam regras e controles, na busca de velocidade, mas se busca a integridade que combata a corrupção, entendida como uma grande chaga. E para tentar superar essas tensões de alguma forma, a discussão sobre integridade, que pela sua natureza, tem uma essência burocrática de verificações e limitações, precisa encontrar espaços de convergência com as políticas públicas, com o cidadão e com a eficiência, e para tal pode precisar de um outro conceito caro ao século atual: a inovação.

Inovar em integridade, no seu conjunto de funções, descritas no novel Decreto nº 11.529, de 16 de maio de 2023, no seu Inciso III, do Art. 3º, não é tarefa fácil, ainda mais em um país com uma matriz cartorial presente, de grande valorização da conformidade, e esse desafio necessita de vários mecanismos de promoção dessa inovação, na qual se destaca um instrumento que tem sido utilizado mais recorrentemente pelos órgãos, que é o concurso de boas práticas, e nos referimos especialmente aqui a primeira edição no âmbito do Ministério da Educação, realizada em 2023, que pode ser conferida aqui.

Detendo-se nesse case em especial, o Ministério da Educação é um excelente laboratório para esse tipo de iniciativa, pois além da capilaridade, da quantidade de unidades, na política educacional se exercem funções de diversas naturezas, e a realização de um certame que premie as melhores práticas nos temas afetos a integridade não é só a promoção da inovação, mas também uma forma de destacar e disseminar o que de bom é feito nesse campo, superando o aspecto negativo da burocracia, e trazendo para a integridade, como uma nova roupagem da função controle, um aspecto mais concreto e inserido na realidade dos órgãos públicos.

Colocar a lupa sobre o que é feito de bom em termos de integridade é destacar o inovador, o útil, o relevante, e o funcional, e ainda, os atores, às vezes heróis anônimos, que desenvolvem esses projetos, sendo o concurso a base de um sistema de incentivos para a construção de uma cultura de integridade que supere o discurso e que se insira na gestão das políticas públicas, revertendo para a qualidade da política educacional, discussão essencial no país.

O concurso trouxe experiências muito interessantes, como a criação de um podcast abordando temas relevantes relacionados a integridade em uma visão ampliada, como o combate à violência contra mulheres e ao etarismo, por exemplo. Além disso, dentre as categorias premiadas, destaca-se a ouvidoria feminina, cujo objetivo é propiciar um espaço institucional de acolhimento às mulheres em situação de violência, estabelecendo de forma pioneira um normativo no âmbito das universidades federais no Brasil que reconhece e estabelece procedimentos de denúncias e enfrentamento de violências de gênero.

Práticas sintonizadas com discussões atuais no âmbito das políticas públicas, como pode-se verificar nas recentes iniciativas do Governo Federal quando da criação de normas mais severas aos servidores públicos, em caso comprovados de assédio; criação de grupo de trabalho interministerial sobre o tema do assédio; e a publicação de guias e cartilhas, como por exemplo, o Guia Lilás da CGU. Iluminar e disseminar práticas inovadoras nesse tema tão árido é fazer um movimento bottom up de fortalecimento da discussão em um nível mais estratégico.

Outra prática que merece destaque foi a criação de ferramenta para o acompanhamento transparente da execução de planejamento institucional de instituições federais de ensino superior, possibilitando ao cidadão a realização do controle social, e gerando reflexos positivos no desempenho e nos resultados alcançados pela instituição. Mais do que um valor, a transparência necessita ser instrumentalizada, associada as práticas de gestão, e o concurso foi pródigo em indicar iniciativas aplicadas de promoção da transparência e do acesso à informação.

A função auditoria interna também foi contemplada, como destaque para ferramenta desenvolvida para o acompanhamento, em tempo real, das recomendações de auditoria interna, propiciando aos servidores e aos cidadãos a obtenção de informações acerca das ações implementadas na Instituição, colaborando para o acompanhamento das políticas públicas, sentido também da prática relacionada a criação de ferramenta tecnológica de acesso gratuito e com navegação intuitiva para o acompanhamento e a melhoria dos indicadores de gestão de instituições de ensino.

A promoção de um concurso de boas práticas traz benefícios visíveis, e não necessariamente imediatos, e que afetam não apenas o ministério promotor, mas também para toda a administração pública, que pode visualizar maneiras novas de realizar suas tarefas, materializando uma cultura de eficiência e inovação do alvissareiro tema da integridade pública, aliando gestão e participação, e dosando as regras protetivas da burocracia as finalidades públicas.

 

* Marcus Vinicius de Azevedo Braga é chefe da Assessoria Especial de Controle Interno do MEC e doutor em Políticas Públicas (UFRJ).

Luciana Alves De Azevedo é coordenadora de Integridade na Assessoria Especial de Controle Interno do MEC e mestre em Gestão de Finanças Públicas (UnB)

Marcos Paulo Silva da Cruz é formado em Gestão Pública (Cruzeiro do Sul) e compõe a equipe da Assessoria Especial de Controle Interno do MEC

Guilherme Nascimento Nunes é formado em jornalismo (Estácio) e compõe a equipe da Assessoria Especial de Controle Interno do MEC

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Publicada originalmente no site Congresso em Foco

Publicado na CompliancePME em 11 de dezembro de 2023