A nova Lei n.º 14.133, denominada de “Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, foi publicada em 1º de abril de 2021 e estabelece, conforme disposto em seu §1.º, “normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
A nova lei trouxe dispositivos que estimulam licitantes e contratantes com o Poder Público a implantar e aperfeiçoar “programas de integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões.”, ou seja, políticas de complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... (conformidade) para evitar o cometimento de crimes e ilícitos como suborno e fraudeDesvio de comportamento com a intenção de enganar terceiros e adquirir vantagens ilícitas, seja em relações pessoais ou comerciais..
Examina-se neste breve artigo tais dispositivos da Lei nº 14.133/2021, com o contexto no qual se insere.
Âmbito de aplicação
A Lei nº 14.133/2001 se aplica (i) aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa e (ii) aos fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública. Ela não estende às empresas públicas, às sociedades de economia mista e as suas subsidiárias, regidas pela Lei nº 13.303/2006, ressalvadas as novas disposições sobre crimes licitatórios e em contratos administrativos introduzidas no Código Penal pela nova lei.
A lei regula licitações e contratações para (i) alienação e concessão de direito real de uso de bens; (ii) compra, inclusive por encomenda; (iii) locação; (iv) concessão e permissão de uso de bens públicos; (v) prestação de serviços, inclusive os técnico-profissionais especializados; (vi) obras e serviços de arquitetura e engenharia; e (vii) contratações de tecnologia da informação e de comunicação. Não se subordinam à lei: (i) contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos e (ii) contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.
A nova lei entrou em vigor na data de sua publicação e não se aplica a licitações e contratos administrativos findos ou em andamento. Permite ela que, no prazo de dois anos após o início da vigência, sejam realizadas licitações e contratos com base nas leis que regulavam a matéria até então, especificamente a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011. A medida permitirá uma paulatina aplicação da Lei n.º 14.133/2021, evitando mudanças abrutas no regime de licitação e de contratação públicas. Veda, não obstante, que sejam combinadas regras da nova lei com os das anteriores, o que levaria a um indesejável e confuso sistema híbrido.
Contexto
A Lei n.º 14.133 não é o primeiro ato normativo que contém estímulos a programas de compliance na área anticorrupção.
Pioneiramente, o Foreign Corrupt Practices ActA Lei de Práticas de Corrupção no Exterior norte - americana promulgada em 1977 , com dois principais grupos de disposições : um sobre pagamento de propinas a autoridades estrangeiras... (FCPA), de 1977, foi aprovado na esteira do escândalo Watergate e criminalizou o suborno de autoridades estrangeiras por empresas em transações comerciais internacionais. A lei também impôs deveres de manutenção de controles internosé um processo desenvolvido para proporcionar segurança razoável às operações, divulgação e conformidade. As atividades de controle são ações estabelecidas por meio de políticas e procedimentos que ajudam a garantir... e registros contábeis fidedignos, bem como deveres de comunicações a acionistas, aos órgãos reguladores e ao mercado, para prevenir práticas de suborno. Paulatinamente, houve uma expansão das empresas obrigadas, abrangendo não só as norte-americanas, mas também aquelas com ações negociadas na bolsa de valorescrenças julgadas corretas em relação a interações com outras pessoas ou empresas. dos Estados Unidos e mesmo empresas estrangeiras, se parte da ação ilícita ocorrer em território norte-americano. Para evitar o descumprimento da lei, as empresas passaram a adotar políticas de integridade de anticorrupção, além do instrumento do compliance para buscar conformidade com as regras legais. Ainda nos Estados Unidos, os deveres impostos às empresas foram reforçados pelo Sarbanes-Oxley Act(SOX): Lei Sarbanes-Oxley dos Estados Unidos, assinada em 30 de julho de 2002 após escândalos financeiros envolvendo erros de escrituração contábil e práticas fraudulentas ( dentre eles o da Enron).... (SOX) aprovada, em 2002, na esteira dos escandâlos da Enron, e ainda pelo Dodd Frank Act, de 2010, este aprovado como consequência da crise de 2008, tendo ambos por objetivo principal proteger investidores contra fraudes corporativas.
Outro ato normativo relevante consiste no UK Bribery Act, de 2010, do Reino Unido. A lei britânica criminaliza não só a corrupçãoEtimologicamente, o termo corrupção surgiu a partir do latim corruptus, que significa o "ato de quebrar aos pedaços", ou seja, decompor e deteriorar algo. É o ato ou efeito de... pública, mas também a privada. Entre os dispositivos relevantes, encontra a criminalização da organização empresarial por falhar em prevenir a prática da corrupção por um associado, empregado ou não, quando este atuar para obter ou manter um negócio. Como defesa, pode ser alegado pela empresa que ela mantinha procedimentos adequados para prevenir que associados praticassem suborno.
A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em 1997, é outro marco normativo internacional relevante para o combate à corrupção transnacional que também estimulou, pelo menos indiretamente, a adoção de mecanismos de compliance. No Brasil, a Convenção foi promulgada pelo Decreto nº 3.678/2000, e levou à adição de tipos penais ao nosso Código Penal (arts. 337-B, 337-C e 337-D).
Ainda no Brasil, a Lei n.º 9.613/1998, deu grande impulso ao tema compliance, embora focado na prevenção à lavagem de dinheiro(PLD): normas estabelecidas para prevenir comportamentos ilícitos dentro de uma organização, é uma forma que o governo e as principais instituições financeiras do país têm para tentar impedir o crime.... A cultura do compliance, embora focado em setores regulados, expandiu-se. Foi, porém, com a Lei nº 12.846/2013, conhecida, no Brasil, como a lei anticorrupçãoLei nº 12.846 / 2013): Conhecida como a Lei Anticorrupção e , no exterior , como The Clean Company Act ( Lei da Empresa Limpa ) promulgada em 1º de agosto... empresarial e no exterior como o Clean Company Act, que o compliance para prevenção de suborno recebeu um grande estímulo legal. A referida lei instituiu no Brasil a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos que sejam cometidos em seu interesse ou benefício, contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Em síntese, se uma empresa comete um ato de suborno de um agente público, ficará sujeita a sanções administrativas e cíveis, como multas e indenizações, e que podem chegar ao extremo de sua dissolução compulsória. Apesar da responsabilidade não ser de natureza criminal, as sanções são até mais severas do que as previstas para as pessoas jurídicas na Lei n.º 9.605/1998 pela prática de crimes ambientais. Ao lado da severidade, a Lei nº 12.846/2013 previu dois mecanismos de estímulo à integridade. Um, a previsão, no art. 7º, VII e VIII, de que a cooperação da empresa para apuração das infrações e a existência de um programa de integridade constituem fatores que podem minorar as sanções aplicáveis. Dois, a previsão do acordo de leniênciaA palavra “leniência” deriva do latim (lenitate) e significa brandura, suavidade e mansidão. O sentido do instituto do acordo de leniência é impor compromisso e responsabilidade às pessoas jurídicas que..., através do qual a empresa pode cooperar ativamente com o Poder Público para as investigações e definições de responsabilidades, reduzindo as sanções aplicáveis.
Em 2016, foi ainda aprovada a Lei nº 13.303, que, ao regular a governança das empresas estatais, tornou também compulsória a adoção de programas de integridade, inclusive com exigências específicas como código de condutaConjunto de normas para direcionar e disciplinar todos os colaboradores, estabelecendo os princípios culturais da empresa., canal de denúncias, proteção a denunciantes, criação de diretor específico para a área, auditorias internas independentes e sistema de gestão de riscos. A Lei nº 13.848/2019 também estabeleceu, em seu art. 3.º, a obrigatoriedade da adoção pelas agências reguladoras de programas de integridade, com menos detalhamento, porém, do que o previsto na lei das estatais.
Ainda no Brasil, merece referência específica a Lei n.º 13.608/2018, com as alterações determinadas pela Lei n.º 13.964/2019, que estabeleceu a obrigação da adoção de canais de denúnciaAto pelo qual alguém leva ao conhecimento dos responsáveis um fato contrário à lei, à ordem pública ou a algum regulamento, que seja e suscetível de punição ou correção...., programas de proteção e recompensa a denunciantes, por entidades e órgãos da Administração Pública Direta e Indireta de todos os níveis da federação.
Na América Latina, vários países progressivamente aprovaram leis similares ao FCPA e a Lei nº 12.846/2013, prevendo a responsabilidade das empresas pela prática de corrupção, entre eles o México, com Ley General de Responsabilidades Administrativas, de 2016, a Argentina, com a Ley nº 27.401, de 2018, e o Peru, com Ley 30.424, de 2018. Todas essas leis estimulam a adoção de programas de compliance anticorrupção como fatores mitigadores das sanções aplicáveis.
Além das referidas leis, a Operação Lava Jato, uma das maiores investigações sobre crimes de corrupção da história mundial, influenciou as empresas, especialmente da América Latina, a adotarem programas de integridade.
A Operação Lava Jato
A Operação Lava Jato teve início em março de 2014 e foi a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiroÉ uma expressão utilizada popularmente para fazer referência às pessoas (ou empresas) que usam meios falsos para justificar o ganho de recursos ilícitos. da história do Brasil. Posteriormente, ela teve reflexos em diversos outros países, porque as investigações revelaram o pagamento de suborno a agentes públicos brasileiros por empresas estrangeiras e o pagamento de suborno por empresas brasileiras a agentes públicos estrangeiros.
As investigações revelaram a existência de um verdadeiro sistema de corrupção no qual o pagamento de subornos havia se tornado rotina. A investigação inicialmente focou-se em contratos de empresa estatal brasileira da área de óleo e gás, sendo revelada a prática de fraudes em licitações e o pagamento de subornos dirigidos aos diretores e gerentes dela, sendo parte direcionada a agentes políticos e a partidos políticos. Posteriormente, casos de suborno envolvendo outras empresas estatais e órgãos públicos foram revelados, além de crimes de corrupção praticados no exterior por empresas brasileiras. A denominação da Operação como “Lava Jato” teve em vista a descoberta, ainda no início das investigações, de que um profissional da lavagem de dinheiro envolvido nos crimes utilizava um posto de combustível para ocultar e dissimular a intermediação de valores de suborno e outros crimes.
A Operação Lava Jato foi ainda o teste de fogo da lei anticorrupção empresarial, pois várias empresas que haviam pago suborno, confrontadas com as provas dos crimes, optaram, algumas mais cedo, outras mais tarde, por cooperar com as autoridades e celebrar acordos de leniência. Destaquem-se alguns dados da Operação Lava Jato extraídos de informações disponibilizadas pelo Ministério Público Federal[1][2]:
Casos originados na Justiça Federal de Curitiba:
- 130 denúncias contra 553 acusados;
- 174 condenados (em primeiro e segundo grau de jurisdição);
- 132 prisões preventivas;
- 35 ações de improbidade administrativa;
- 209 acordos de colaboração com acusados; e
- 17 acordos de leniência com empresas.
Em questões de valores, as ações originadas na Justiça Federal de Curitiba da Lava Jato já resultaram na restituição de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, com previsão ainda de recuperação de cerca de R$ 14,7 bilhões em acordos de colaboração ou de leniência.
Casos originados no Rio de Janeiro:
- 56 denúncias contra 339 denunciados;
- 41 condenados (em primeiro e segundo grau de jurisdição);
- 217 prisões preventivas;
- 6 ações de improbidade administrativa;
- 37 acordos de colaboração com acusados; e
- 3 acordos de leniência com empresas.
Em questões de valores, as ações originadas na Justiça Federal do Rio de Janeiro da Lava Jato já resultaram na restituição de R$ 1,9 bilhões aos cofres públicos, com demandas indenizatórias e de multas em curso de cerca de R$ 6,21 bilhões..
Os reflexos da Operação Lava Jato transcendem os números dos casos concretos, pois ela rompeu com uma tradição de impunidade dos crimes de grande corrupção no Brasil e em alguns países da América Latina.
Ilustrativamente, ela gerou na na cultura empresarial do Brasil um despertar para a necessidade de adoção de programas de compliance na áre de integridade e anticorrupção. Houve um crescimento exponencial, no decorrer da Operação, de empresas brasileiras que passaram a adotar programas de compliance anticorrupção e a neles investir. Em uma pesquisa realizada por empresa de consultoria entre 250 empresas brasileiras representativas, 57% delas tinham programas de compliance em 2015, havendo um acréscimo desse percentual para 97% em 2019[3], ou seja, no curso da Operação Lava Jato. Ainda assim, a mesma pesquisa também revela muito espaço para evolução, pois várias das empresas consultadas também admitiram que os setores ainda careciam de recursos adequados e de autonomia.
Os dispositivos da Lei n.º 14.133/2021
A Lei nº 14.133/2021 foi editada para modernizar os procedimentos licitatórios e de contratação com a Administração. Se cumprirá ou não esses objetivos, isso é uma questão que só será respondida pelo tempo.
De forma inédita em relação às leis que tratavam desses institutos anteriormente, a Lei nº 8.666/1993, a Lei nº 10.520/2002, e a Lei nº 12.462/2011, o novo diploma legal contém dispositivos expressos destinados a estimular a adoção de programas de compliance na área de integridade e anticorrupção, assim denominados na lei como “programas de integridade”.
Segundo o disposto no art. 25, §4.º, em contratos de grande vulto a existência de um programa de integridade passa a ser obrigatória e, caso ausente, deve ser implementado no prazo de seis meses da contratação. Segundo o art. 6.º, contratos de grande vulto são aqueles cujo valor estimado supera R$ 200 milhões. O dispositivo legal remete à edição de um “regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento”.
Cabe criticar o patamar elevado de R$ 200 milhões. O valor é alto mesmo para contratos do Governo Federal e dos Governos Estaduais e Distritais. Para grande parte dos Município, é algo muito distante da realidade, o que pode ser ilustrado pelo fato de que somente 1,65% dos cerca de 5.568 Municípios do país apresentam receitas orçamentárias acima de R$ 1 bilhão de reais[4].
Vários Estados já haviam editado leis exigindo programas de integridade para licitações e contratos de valores menores. Ilustrativamente, a Lei do Estado do Amazonas n.º 4.730/2018 estabeleceu patamar em R$ 3,3 milhões em contratos de obras e engenharia e R$ 1,43 milhões para compras e serviços. A Lei do Distrito Federal nº 6.112/2018 exige programas de integridade para contratos de valor igual ou superior a R$ 5 milhões. A Lei do Estado de Pernambuco nº 16.722/2019 fixou o patamar em R$ 10 milhões.
A disparidade do patamar previsto na lei federal com as leis locais irá gerar controvérsia. Licitantes poderão impugnar os critérios locais com base no parâmetro federal. Entretanto, a melhor interpretação é no sentido de que a lei federal exige o programa de integridade para contratos de valor superior a R$ 200 milhões, mas não impede que os entes federados fixem patamares menores e adequados as suas realidades locais. Afinal, promover programas de integridade atende ao interesse público. A virtude de uma federação é exatamente permitir a diversidade de legislação conforme as diferentes realidades locais. Cabe à União, ademais, apenas editar normas gerais de licitações e contratos, tendo Estados, Distrito Federal e Municípios competência para editar normas específicas. Mesmo sendo viável essa interpretação conciliadora, teria feito melhor a Lei n.º 14.133/2021 se tivesse deixado expressa a possibilidade de adoção de parâmetros inferiores pelos entes federados, evitando assim insegurança jurídica.
A existência de um programa de integridade foi também elencada como um, entre quatro, critérios de desempate entre duas ou mais propostas, conforme previsão no inciso IV do art. 60 da Lei n.º 14.133/2021. Interessante destacar que a lei fala no “desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle”, o que significa que o programa de integridade não precisa ser pré-existente, ou seja, pode ser apresentado um projeto para a sua criação. Pre-existente ou não, o programa precisará seguir as orientações pertinentes dos órgãos de controle.
Na mesma linha da Lei anticorrupção empresarial, a Lei n.º 14.133/2021 também estabeleceu, no art. 156, §1.º, V, que a “a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade” constitui um fator a ser considerado na aplicação de sanções pelas infrações administrativas previstas na lei.
Adicionalmente, se a sanção a ser aplicada é de “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar” pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII e XII do art. 155 da lei, a reabilitação do responsável dependerá da implantação ou do aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme parágrafo único do art. 163. A declaração de inidoneidade significa a inabilitação para licitar e contratar pelo prazo de três a seis anos com a Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos. Depois do prazo mínimo de três anos, a empresa sancionada pode se reabilitar se cumprir as condições do referido art. 163, sendo uma delas a implementação ou o aperfeiçoamento do programa de integridade.
Programa efetivo de compliance
Dizendo o óbvio, programas de compliance na área de integridade e de anticorrupção precisam ser efetivos. Programas de fachada não protegem a empresa de incidentes de fraude e suborno e não trarão qualquer atenuação da responsabilidade corporativaOs agentes de governança devem zelar pela viabilidade econômico-financeira das organizações, reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu....
Para implementação, aperfeiçoamento ou avaliação da qualidade do programa de integridade, deve-se buscar as normas e orientações das autoridades sobre o assunto e que podem variar de país para país.
No já referido UK Bribery Act, há a previsão, na Seção 9, da edição de guias e orientações regulamentadoras destinadas a prevenir corrupção e suborno por parte das empresas.
No Estados Unidos, o US Department of Justice (DOJEm português quer dizer: Departamento de Justiça dos Estados Unidos. É uma instituição que se assemelha ao Ministério Público Federal brasileiro.) edita e atualiza periodicamente orientações destinadas a guiar a avaliação dos procuradores federais acerca dos programas de compliance das empresas nos casos concretos[5]. Apesar de não existir uma fórmula rígida de avaliação, a orientação é que devem ser consideradas três questões fundamentais:
– O programa de complianceNo Brasil também conhecido como "programa de conformidade” ou "programa de integridade" , é o modelo para estruturação e aplicação de ações dentro de uma organização visando o cumprimento das... da empresa está bem estruturado?
– O programa de compliance tem recursos adequados e a capacidade de funcionar efetivamente? e
– Se o programa de compliance funciona na prática?
Como a avaliação do DOJ será realizada no contexto específico de uma investigação criminal, será inevitável verificar se o programa de compliance foi apto para identificar o incidente de fraude ou de suborno e ainda a conduta adotada pela empresa a partir dele.
No Brasil, para implementação e avaliação dos programas de integridade, deverão ser observados os critérios previstos no art. 42 do Decreto n.º 8.420/2015 que regulamentou a lei anticorrupção empresarial. A Controladoria Geral da UniãoControladoria Geral da União (CGU): é um órgão federativo de controle interno que atua na defesa do patrimônio e na transparência das receitas, despesas e atividades da gestão pública. Nos... (CGU) produziu diversos guias e manuais dirigidos a empresas privadas para orientá-las na implementação e aperfeiçoamento de seus programas de integridade, como “Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas”, “Avaliação de programas de integridade em programas de leniência”, e até mesmo um manual dirigido a agentes públicos sobre como avaliar programas de integridade das empresas para aplicação da lei anticorrupção empresarial (“Manual Prático de avaliação de programa de integridade em PAR”). Os manuais foram publicados e estão disponíveis na página da internet da CGU[6]. A CGU ainda mantém um programa denominado Pro-Ética no qual as empresas podem se inscrever para obtenção de uma espécie de certificado de boas práticas, após ter seu programa avaliado pela CGU e por comitêGrupo de pessoas escolhido para análisar assuntos específicos, podendo ser composto por membros externos da empresa; formado por agentes públicos e privados. Ele pode ser utilizado como um teste preliminar antes de uma avaliação mais rigorosa se problemas surgirem.
Ainda devem ser consideradas as normas técnicas constantes nos padrões ISOA Organização Internacional de Normalização ou Organização Internacional para Padronização, popularmente conhecida como ISO é uma entidade que congrega os grémios de padronização/normalização de 162 países.... 19600, que trata do programa geral de compliance, e ISSO 37001, que tem por objeto específico medidas antisuborno. O atendimento dos parâmetros pode auxiliar na implementação e avaliação do programa de compliance.
A adoção de um efetivo programa de compliance antifraude e anticorrupção tem por objetivo, em primeiro lugar, servir à empresa, protegê-la contra ilícitos praticados em seu detrimento por seus associados, sejam eles diretores, empregados ou terceiros. Na estrutura corporativa, podem ocorrer crimes que não estejam associados a qualquer política ou decisão da empresa. Sem os devidos controles, os riscos contra a empresa aumentam. O programa também previne que associados da empresa, ainda que a pretexto de beneficiá-la, pratiquem atos ilícitos no desenvolvimento de negócios, o que pode, no contexto legal examinado, levar à responsabilização da própria empresa, expondo-a a riscos de sanções, indenizações e principalmente reputacionais. Também tem a virtude de blindar a empresa contra extorsões ou solicitações de suborno provenientes de agentes públicos. Havendo um compliance efetivo é muito difícil burlá-lo para atender contingencialmente solicitações impróprias de suborno. Pode ele até mesmo servir como álibi aos empresários contra agentes públicos desonestos. Para a implementação, aperfeiçoamento ou avaliação de um programa de compliance deverá ser considerada e avaliada a sua estrutura, por exemplo, a existência de canais de denúncia, a autonomia dos órgãos de compliance, os recursos humanos, financeiros e tecnológicos, a ele disponibilizados, bem como a sua efetividade prática. Importa analisar não só o programa estaticamente, mas em sua dinâmica, verificando por exemplo, se os incidentes estão sendo relatados ou descobertos e, se positivo, como a empresa tem procedido em relação a eles. Normalmente é um trabalho para especialistas.
Conclusão
O setor privado tem muito a colaborar no desenvolvimento de políticas de integridade e anticorrupção. A existência de programas de compliance na área de integridade e anticorrupção é hoje um ativo para as empresas. Compõe ainda o universo das políticas ESGESG é uma sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português). Geralmente, ela é usada para se referir às práticas ambientais, sociais e de... (Environment, Social and Governance), especificamente na área de governança. É preciso cuidar do meio ambiente, das pessoas e da governança e não há como fazer isso expondo a empresa a riscos decorrentes de prática de suborno ou fraudes.
É crescente a aprovação de normas, no âmbito local e internacional, que impõe ou estimulam a adoção pelas empresas de programas de compliance. FCPA, UK Bribery Act, Lei anticorrupção empresarial, entre outras. A Lei nº 14.133/2021 insere-se nesse conjunto de diplomas legais. A lei, ao favorecer em procedimentos licitatórios empresas que dispõe de programas de compliance, deu um passo na direção certa. A estratégia do estímulo pode se mostrar bastante promissora, assim contribuindo para a construção de um ambiente mais saudável e limpo para o desenvolvimento de negócios.
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[1] Fonte: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/resultados, acesso em 18/05/2021 . Os dados dos casos de Curitiba estão atualizados até 27/01/2021, enquanto os do Rio de Janeiro estão atualizados até 20/09/2019.
[3] Pesquisa citada por MONTEIRO, Felipe e Kertesz, Suzana. Doing businessNegócio ou a atividade-fim da empresa. in Brazil after Operation Car Wash (B), INSEAD, publicado em 20/01/2021, disponível em https://publishing.insead.edu/case/doing-business-brazil-after-operation-car-wash-b, acesso em 18/05/2020.
[4] Dados de 2019 extraídos de BREMAEKER, François E.J. Os municípios bilionários em 2019. Observatório de Informações Municipais. Rio de Janeiro, 2020, disponível em http://www.oim.tmunicipal.org.br/abre_documento.cfm?arquivo=_repositorio/_oim/_documentos/5276BBE0-90B6-EEA9-3BACD89E138AF80313092020011429.pdf&i=3170, acesso em 18/05/2021.
[5] Disponível em https://www.justice.gov/criminal-fraud/page/file/937501/download, acesso em 18/05/2021.
[6] https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/etica-e-integridade, acesso em 18/05/2021.
Sérgio Fernando Moro – Diretor da Alvarez & Marsal Disputas e Investigação. Foi juiz federal da Operação Lava Jato e Ministro da Justiça.
Diego Pio – Diretor da Alvarez & Marsal Disputas e Investigação.
Isabella Lobato – Gerente da Alvarez & Marsal Disputas e Investigação.
Notícia publicada originalmente no portal do JOTA.