Publicado na CompliancePME em 20 de julho de 2022

Hoje, ao escrever este artigo, sinto-me desalentada com a situação política no Brasil, tanto que estou tristemente me contrastando com todos os meus artigos anteriores desta coluna, onde sempre defendi que “a omissão dos bons é a desgraça da sociedade.”

Pois é, diante da frente nacional de impunidade que se instalou no nosso Brasil, estou finalmente entendendo o desânimo de Machado de Assis quando disse “Há casos em que a indignação silenciosa é o mais eloquente comentário.”

Entretanto, nunca desisto e, por isso, tentarei discorrer hoje sobre o combate à corrupção de forma menos política, mas bem prática. Falemos de Compliance, a minha especialidade, lembrando que o combate à corrupção existe em três pilares: prevenção, controle e punição.

Já que falar do terceiro pilar – punição – no Brasil é temerário e ameaçador, neste momento político, foquemos no pilar da prevenção e controle, pois sabemos que, quem financia a corrupção, na prática, é o ente que tem os deep pockets, ou seja, os bolsos endinheirados, a empresa, a companhia, enfim a organização. Porém, sabemos que não são as corporações que cometem ilícitos, mas as pessoas que estão ali no seu comando. A empresa nada mais é do que uma ficção jurídica, um ente criado pelo ordenamento legal para que o indivíduo, o empresário, desenvolva a sua atividade.

Neste espírito, debruço-me sobre o que nós, silenciosos indignados, podemos fazer, não obstante tudo que temos assistido. E, como profissional atuante no mundo corporativo de empresas globais, principalmente subsidiárias de conglomerados originários dos Estados Unidos, devo alertar as empresas sobre os impactos em suas vidas dos escândalos reputacionais da corrupção.

Nem mais cito a falecida Lava Jato praticamente enterrada em 2022. Sua inspiração e seu impacto, entretanto, se fazem sentir tanto nas vidas das empresas quanto das dos indivíduos. Todavia, foram os indivíduos que a iniciaram, não as entidades. Sempre são as pessoas que dão vida às empresas que não existiriam sem os seres em carne e osso, grilos falantes e tantas vezes repugnantes.

Empresa, cautela! Cuidado com os indivíduos que contrata! No mínimo, por favor, como mandam as boas práticas de Compliance, tente conhecê-lo melhor antes de trazê-lo à sua intimidade. No nosso escritório, onde mantemos uma área especializada de background check para conhecer um novo candidato (o Know Your Employee – “KYE”), os nossos clientes muitas vezes ficam chocados ao descobrir que um brilhante candidato não passa de uma raposa que fez carreira tomando conta de vulneráveis galinheiros.

Mas vexame mesmo deu a Moderna Inc., conhecida pelas vacinas de Covid, que recentemente despediu seu CFO após apenas um dia de trabalho!!! Jorge Gomez havia trabalhado por dezesseis anos na fabricante de produtos odontológicos Dentsply Sirona Inc. que, pouco antes, havia revelado à SEC (a CVM americana) o resultado de investigações internas sobre atividades impróprias envolvendo Gomez. A demissão de Gomez foi estrondosa e desferiu um golpe fatal à reputação da Moderna. É possível que uma empresa desse porte não tenha realizado um background check do Gomez? E se o fez, com que cuidado?

O exercício do background check é um MUST – essencial para a contratação de qualquer executivo! É fundamental para evitar um vexame como o da Moderna. Mas, no meu dia a dia vejo crescer a lista de empresas que são vítimas de decisões malsucedidas de contratação nos níveis mais altos de liderança. Afinal, se vier à tona, de repente, que um conhecido CEO de tantos anos era um assediador sexual contumaz, como poderá a empresa se justificar de não ter feito um mínimo exercício de diligência antes de contratá-lo?

Não tenho aqui espaço para melhor discorrer sobre a diligência e a cautela na verificação do conflito de interesses menosprezado na contratação de ex-agentes públicos, mas fica aqui meu alerta que vivemos uma guinada importante no trato dessa matéria! Como sempre, a tendência vem dos Estados Unidos e não pode ser subestimada já que o Brasil mantém um imenso número de subsidiárias de empresas norte-americanas com altos executivos brasileiros, que estão, sim, sujeitos à lei norte americana, principalmente ao Foreign Corruption Practices Act (FCPA).

Desde outubro de 2021, Lisa Monaco, a chefe da procuradoria-geral do Department of Justice (DOJ) de Joe Biden, responsável pela aplicação das penalidades da legislação anticorrupção, vem anunciando importantes ações que o DOJ de Biden valoriza, após a administração mais leniente de Trump, recrudescendo as políticas de crimes corporativos, principalmente no que tange o indivíduo responsável, em carne e osso, pela má conduta.

A filosofia dessas ações prima por restaurar a orientação nas negociações de acordos de crédito com as autoridades americanas somente com empresa que forneça todas as informações não privilegiadas sobre todos os indivíduos envolvidos na má conduta. Trocando em miúdos, Lisa Monaco adverte que, em investigações governamentais, as empresas deverão identificar todos os indivíduos envolvidos na má conduta e oferecer todas as informações não privilegiadas sobre seu envolvimento, se não, “não tem conversa”.

Esse alerta não se restringe somente aos Estados Unidos, mas a todas as corporações no mundo inteiro e seus dirigentes em qualquer parte do planeta, incluindo os daqui das nossas capitanias hereditárias.

Essa posição do DOJ de Biden sobre a execução criminal corporativa, sem dúvida tem um impacto significativo nas investigações e processos corporativos no mundo todo. Vale relembrar que o DOJ de Trump havia flexibilizado o protocolo de investigações corporativas modificando as orientações anteriores enfatizando a cooperação das empresas no fornecimento de informações sobre indivíduos “substancialmente” responsáveis pela má conduta, ao invés de exigir informações sobre todos os indivíduos envolvidos na má conduta.

Lisa Monaco tem deixado claro que o DOJ está retornando aos requisitos de cooperação pré-Trump, ou seja, do conhecido Yates Memo da então chefe do setor Sally Yates em 2015. Relembrando: o Yates Memo exigia que os procuradores americanos, desde o início de uma investigação até a acusação, dessem crédito de cooperação somente às organizações que fornecessem “todos os fatos relevantes relacionados aos indivíduos responsáveis pela má conduta.”

Lisa ressalta que essa exigência agora independe da posição do indivíduo na empresa. Para ilustrar com um exemplo muito próximo a nós, o da Petrobras, a 3ª mais alta multa aplicada a uma empresa, Lisa mencionou que a SEC reiterou que foram os altos executivos que operavam um esquema maciço de suborno e corrupção.

Concluindo, não se pode subestimar o valor do background check ou economizar recursos e tempo em sua realização. Ele é um dever de qualquer organização responsável e diligente e uma ferramenta basilar do Compliance.

*Isabel Franco, advogada sócia da área de Compliance, Investigação e Penal Empresarial do Azevedo Sette Advs. Especialista em legislação anticorrupção. Com mestrado pela Fordham University (NY), é embaixadora do CWC – Compliance Women Committee, conselheira do Instituto Não Aceito Corrupção, fundadora da Mesa-Redonda de Compliance e membro de outros conselhos como o Board of Governors da American Society do Brasil

 

Originalmente publicado no Estadão