O compliance tem sido uma ferramenta muito utilizada no mundo empresarial para estabelecer os valores éticos que devem nortear a atuação das pessoas físicas e jurídicas. Em um país onde somos conhecidos pelo “jeitinho brasileiro”, que sugere nossa maior tolerância para prática de pequenas corrupções cotidianas, e cheio de escândalos de corrupção, o desafio se torna ainda maior.

Na seara empresarial, há algumas corrupções corriqueiramente praticadas pelas pessoas jurídicas, como o não cumprimento das determinações da lei trabalhista nas contratações de pessoas funcionárias, sonegação de imposto, suborno de fiscalização, maquiagem na contabilidade da empresa, inadimplência voluntária por descompromisso, confusão de contas físicas e jurídicas, etc.

Um programa de compliance tem a finalidade de orientar a atuação das empresas para se manterem “em conformidade” (tradução ao pé da letra) com a legislação e demais dispositivos normativos que se apliquem a atividade desenvolvida, bem como garantir uma gestão eficiente em todas as áreas da corporação, prevenir riscos de qualquer natureza e colocar a empresa em uma posição de vanguarda no mercado, com boa visibilidade, agregando valores positivos, reputação impoluta e a máxima produtividade possível, alinhada com avanços tecnológicos.

Para garantir o máximo de concretude de sua proposta, existem ferramentas utilizadas no compliance que facilitam este processo de adequação da empresa ao perfil almejado. Entre as ferramentas referidas, podemos citar avaliação de riscos, teste de integridade para funcionárias/os, mapeamento de contingências, criação de comitê de diversidade, implantação de canal de denúncias e elaboração de código de ética e condutas.

No compliance antidiscriminatório, temos a mesma lógica. Estamos falando de um programa que reúne uma série de ferramentas, ligadas a governança corporativa, que visam não só prevenir, mas saber lidar com situações que envolvam condutas discriminatórias no ambiente de trabalho, promovendo assim um espaço harmonioso, produtivo e estimulante para se trabalhar.

Por muito tempo, empresas se abstiveram de assumir bandeiras de lutas, especialmente de grupos minoritários como mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência e População LGBT. Atualmente apoiar a diversidade e ampliar os horizontes institucionais é algo muito valorizado no mercado que tem tido pessoas consumidoras cada vez mais exigentes e que cobram posicionamento político das empresas das quais consome produtos ou contrata serviços.

A adoção de uma política de diversidade demonstra confiabilidade e responsabilidade para as(os) stakeholders com a pauta antidiscriminatória, reforçando o compromisso social das organizações de reconhecimento da importância das relações entre as pessoas e multipotencialidade de suas diferenças, independentemente da idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra.

Para se ter uma ideia do quanto uma política de diversidade torna-se um diferencial no contexto organizacional, uma pesquisa realizada pelo Instituto Ethos em 2020, no Guia exame de Diversidade mostra que empresas que investem nesta área lucram 35% mais do que as organizações que não possuem esse perfil.

Ademais, identifica-se que há 90% de melhoria no clima organizacional, bem como 90% de melhoria na atração e retenção de talentos e, por fim, aumento de 84% de aumento de produtividade do corpo de funcionários.

As mesmas ferramentas de compliance latu sensu são usadas, aqui no compliance antidiscriminatório de forma direcionada visando também prevenir/corrigir distorções que impliquem discriminações no ambiente de trabalho, além de remodelar o negócio para torná-lo posicionado politicamente.

Estamos falando de um canal de denúncias que vai ser direcionado especialmente para colher narrativas de assedio no ambiente de trabalho; um código de condutas que valorize e venha a compelir o respeito e adequação no trato de todas as pessoas dentro da instituição; instrumentos para avaliação de riscos de judicialização de demandas por atitudes discriminatórias; teste de integridade para mapear a capacidade de pessoas que atuam na empresa de reproduzir posicionamentos discriminatórios, dentre, revisão das redes sociais para ressignificar a marca no mercado, em uma proposta de se mostrar e contribuir efetivamente pela valorização da igualdade.

A autora Ângela Davis nos ensina que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Essa assertiva é uma provocação para entendermos que as opressões se colocam enquanto problema social e que apenas se abster do debate, já não é suficiente – mas precisamos de ações concretas, inclusive das instituições que promovam, incentivem e se comprometam com a criação de uma nova mentalidade que consiga fazer reparação de processos excludentes históricos e possam promover igualdade de direitos e oportunidades nos ambientes corporativos.

Neste sentido, algumas empresas já saíram na frente.

Um primeiro exemplo a ser citado aqui foi o das empresas Magazine Luiza, P&G e Bayer que, no ano de 2020, criaram um programa de trainee com vagas para serem ocupadas preferencialmente por pessoas negras.

Na mesma linha, as empresas Gerdau e Banco BV, centraram suas energias em selecionar profissionais mulheres. Apesar de grande resistência e do assunto ter virado pauta em vários meios de comunicação, as empresas justificaram suas opções exatamente na ausência desses perfis em posições estratégicas, justificando assim a discriminação positiva ali implementada.

Por último, mas não menos importante, tivemos o exemplo da marca Avon que, no auge da sua missão de inclusão, lançou, no último mês de novembro de 2020, uma campanha institucional de combate ao racismo, assumindo um compromisso público de, nos próximos 10 anos, trabalhar arduamente com prestação de contas periódica a sociedade, para aumentar o número de funcionárias(os) negras(os) em suas equipes, especialmente em cargos de chefia.

Esse compromisso acaba por reposicionar a marca como parceira da diversidade e abre diálogos para outros atores e atrizes fazerem parceria, expandindo os horizontes da marca.

Conforme demonstrado, as empresas podem e devem incentivar a valorização da diversidade em seu âmbito interno. Vale lembrar que as iniciativas aqui narradas e as possibilidades apresentadas se coadunam com os Princípios da Constituição Federal, os tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e de demais dispositivos atinentes as pautas especificas de direito antidiscriminatório.

E este é o convite que o compliance antidiscriminatório nos faz todos os dias: de sairmos de nossa zona de conforto e construirmos com ações positivas um mundo mais justo e com equidade para todas as pessoas sem discriminação de qualquer natureza. Só provocando a reponsabilidade social de cada pessoa e institucionalizando o debate, conseguiremos dar uma contribuição para um Brasil mais inclusivo, plural e com equidade para as próximas gerações.

Originalmente publicada no Portal JOTA

Publicado na CompliancePME em 1 de julho de 2021