No universo das fintechs, onde inovação, velocidade e escalabilidade são palavras de ordem, há um elemento que precisa ser tratado como prioridade desde os primeiros passos: o compliance. Longe de ser apenas uma resposta às exigências regulatórias, o compliance é um pilar estratégico na construção de uma base sólida para o crescimento responsável e sustentável dessas empresas.

As fintechs lidam com temas extremamente sensíveis, como dados pessoais, operações financeiras e concessão de crédito, campos onde qualquer falha pode gerar danos significativos à operação, à reputação e até à existência da empresa. Por isso, investir em um programa de compliance desde o início não é um luxo, é uma necessidade inteligente. Essa postura evita retrabalhos futuros, especialmente ao buscar licenças ou captar investimentos, além de facilitar auditorias de parceiros estratégicos, antecipar normas em fase de discussão e apoiar a construção de uma cultura organizacional voltada à ética e à integridade. Em outras palavras, é uma forma clara de demonstrar maturidade institucional e conquistar a confiança do mercado e dos reguladores.

Por outro lado, negligenciar o compliance logo nos estágios iniciais expõe a fintech a riscos que, na maioria das vezes, só se tornam visíveis quando o prejuízo já é grande. O risco regulatório, por exemplo, pode impedir a obtenção de autorizações essenciais ou levar a sanções. O risco reputacional, causado por vazamentos de dados, fraudes ou má conduta, gera perdas de confiança que, especialmente para startups, são difíceis, senão impossíveis, de recuperar. Do ponto de vista dos investidores, a ausência de controles básicos é um sinal vermelho em processos de due diligence, o que pode resultar na perda da rodada de captação ou na imposição de exigências duras de reestruturação. Há ainda o risco jurídico direto para os fundadores, que podem ser responsabilizados por negligência em casos graves. E, claro, há um fato inegável: corrigir falhas de compliance depois sempre custa mais caro do que implementá-lo desde o início.

A estruturação de um programa efetivo pode (e deve) começar com pilares básicos como o suporte da alta administração, definição de governança, avaliação de riscos, código de conduta, políticas claras, treinamentos contínuos, canais de denúncia, due diligence de parceiros e monitoramento de processos. Nenhum desses elementos precisa ser burocrático. O programa precisa ser dinâmico, adaptável e sempre conectado à realidade do negócio. Costumo dizer que um bom compliance ajuda a empresa a crescer, e não o contrário.

Além disso, o compliance se tornou um diferencial competitivo real. Em um mercado financeiro altamente regulado e cada vez mais competitivo, a confiança é um ativo e ela nasce da percepção de que a empresa respeita a privacidade, a segurança e a experiência do cliente. Para investidores, compliance demonstra que a fintech tem visão de longo prazo e entende os riscos do setor. Quando bem implementado, é visto como um sinal de preparo e solidez. Já sua ausência acende alertas e muitas vezes impede que um negócio promissor avance. A diligência revela o que o pitch omite.

Nos últimos anos, é possível perceber uma evolução no setor. Fintechs mais maduras, ou com ambição regulatória, já posicionam o compliance no centro de suas decisões estratégicas. A atuação do Banco Central e o avanço da LGPD ajudaram a consolidar essa mudança de postura. Mas ainda há um caminho a percorrer. Muitas startups tratam o tema como algo secundário, “para depois”, só se movimentando quando estão prestes a pedir autorização regulatória ou após sofrerem algum incidente. O resultado são mudanças implementadas sob pressão, com custos altos e impacto cultural negativo. O discurso avança, mas ainda há um descompasso em muitas organizações entre o que se diz e o que se faz e não faltam exemplos de escândalos que estouram na imprensa para comprovar isso.

Há também uma diferença importante entre implementar um programa de compliance por obrigação legal e criar uma cultura genuína de ética e conformidade. No primeiro caso, o foco é cumprir o mínimo para evitar penalizações. No segundo, a ética é incorporada no cotidiano da empresa, nas decisões, nos exemplos da liderança e na identidade da marca. Empresas que operam com base nessa cultura não estão apenas cumprindo a lei, mas estão construindo confiança, credibilidade e perenidade.

Por fim, há exemplos reais (ainda que anônimos) que ilustram os riscos práticos da ausência de um compliance estruturado: fintechs que tiveram suas contas bloqueadas por falhas em políticas de KYC e prevenção à lavagem de dinheiro, paralisando operações e provocando fuga de clientes; ou investidores que recuaram após constatar, em due diligence, a total ausência de controles internos básicos. Em ambos os casos, o prejuízo poderia ter sido evitado com uma estrutura mínima de governança e integridade.

Compliance não é um custo: é um investimento que protege, fortalece e diferencia. E, no mercado das fintechs, isso pode ser a linha tênue entre escalar com segurança ou naufragar na primeira turbulência.

Disponível originalmente no Monitor Mercantil. Publicado na CompliancePME em 11 de julho de 2025