Por Luciana Silveira*

O compliance vem mudando radicalmente nos últimos anos. Por um bom tempo, foi visto como um “estraga prazeres”, responsável por colocar obstáculos aos negócios. Felizmente, essa percepção está mudando. As empresas estão investindo em programas de compliance como parte do negócio e não só como uma ferramenta para lidar com crise ou com o risco de corrupção.

Cresce a noção de que compliance é um departamento que aponta soluções para atingir objetivos sem incorrer em um risco desnecessário. O “compliance-polícia” deu lugar ao compliance como um pilar necessário na cultura corporativa. Dada a centralidade da área, é importante mapear algumas tendências para 2022, movimentos que devem ganhar força nos próximos meses.

Uma das tendências mais visíveis é a aproximação entre compliance e ESG, sigla que se refere à tríade dos temas ambiental, social e governança (em inglês: environmental, social and governance). A relação mais próxima com essa agenda é em governança, que se refere à toda a estrutura de políticas, procedimentos e controles da empresa.

Nesse arcabouço, encontra-se, obviamente, a gestão de riscos, que se preocupa em mitigar fatores que impactem negativamente os objetivos estratégicos e operacionais, sendo que um dos riscos é exatamente o de compliance.

Porém, o papel do compliance na pauta ESG não para por aí. Pensando nas questões ambientais, todo negócio pode e deve perseguir parâmetros de boas práticas, mas essa busca é diferente para cada nicho de mercado. A título exemplificativo, uma indústria pesada e uma companhia de tecnologia enfrentarão desafios absolutamente distintos. Para uma delas o tema é central. Para a outra, pode ter uma importância menos proeminente.

O fundamental é definir prioridades e entender quais práticas de ESG se aplicam melhor ao seu business. Feito isso, o compliance atua como um facilitador ao apoiar e engajar os colaboradores em ações positivas, bem como um parceiro ao proteger esses valores, por exemplo, conduzindo apurações de eventuais desvios de conduta. Compliance, portanto, não é o responsável pela agenda ESG, mas uma ferramenta à disposição dos gestores para construir uma estratégia.

O segundo destaque é a integração como algo permanente nos negócios. Historicamente, os programas de compliance se proliferaram com o advento de leis anticorrupção, mas eles trabalham na prevenção, detecção e remediação de diversos outros desvios de conduta como assédio, fraude, discriminação e violação de leis em geral. Assim como a corrupção, essas condutas também fazem com que as organizações tenham prejuízos, sejam financeiros ou reputacionais.

O amadurecimento do compliance no Brasil nos levará para um fortalecimento da aliança GRC — Governança, Riscos e Compliance — de modo que seja visto como uma ferramenta em prol dos processos internos. O equilíbrio será a chave do sucesso. Viabilizar negócios de uma forma segura, ética e sustentável será a resposta para o dilema “proteger a empresa dos riscos de compliance versus permitir o funcionamento da empresa”.

Os benefícios do compliance para os negócios estão diretamente relacionados ao seu nível de amadurecimento. Quanto antes as empresas investirem em programas de compliance no guarda-chuva de GRC e nos moldes já integrados ao negócio, mais eficiência e eficácia terão. Isso, por sua vez, diminuirá os riscos do negócio e trará previsibilidade de retorno aos acionistas.

Nessa linha, de nada adiantará ter um programa de compliance se a maioria dos fornecedores forem barrados por red flags, se os contratos não forem assinados em razão das cláusulas anticorrupção, ou se o tempo necessário para responder a uma consulta for tão alto que se torne praticamente um incentivo para a área demandante burlar o controle.

É aí que entra a terceira e última tendência para 2022. Agilidade, inovação e tecnologia. Em outras palavras, transformação digital. O compliance nunca será uma “solução mágica” para os problemas do dia-a-dia na empresa, mas bem que podia ter respostas quase que imediatas. De uma forma bem simplificada, a transformação digital pode ser traduzida como o processo de usar tecnologias para executar atividades corriqueiras.

Só acontece, de fato, quando a empresa é capaz de gerar uma vantagem competitiva para o seu negócio, por exemplo, para aumentar a produtividade, expandir sua capacidade e otimizar resultados.

Pesquisas mostram que mais de 85% das empresas acreditam que suas áreas de GRC se beneficiariam de um processo de transformação digital. Ainda assim, 49% sequer discutem inovação tecnológica em compliance.

Big Data Analytics, algoritmos, inteligência artificial; todas essas soluções tecnológicas se tornarão cada vez mais frequentes e necessárias na área de compliance, pois esses recursos permitem automatizar processos repetitivos em análises, aumentam o poder de processamento das informações e bases de dados, reduzem as chances de erro humano e ajudam a identificar riscos com mais precisão e agilidade. Aqui vale a máxima de que, no mundo corporativo, perder menos é tão importante quanto ganhar mais.

*Luciana Silveira é Chief Compliance Officer da Neoway

 

Originalmente publico na Exame 

Publicado na CompliancePME em 21 de março de 2022