A regulação do compliance nas contratações públicas no Brasil tem ganhado destaque nos últimos anos, especialmente com a publicação do Decreto nº 12.304/2024, que entrou em vigor em fevereiro e complementa a Lei nº 14.133/2021, conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos. Esse decreto representa um marco importante na busca por maior transparência, integridade e eficiência nas relações entre o setor público e privado. Mas, afinal, estamos avançando de forma consistente nessa agenda?

O decreto estabelece parâmetros para os programas de integridade em contratações de grande vulto, além de definir critérios para desempate de propostas e reabilitação de licitantes ou contratados na administração pública federal. Esses programas devem incluir mecanismos de auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e procedimentos internos para prevenir, detectar e corrigir desvios e fraudes. A eficácia dessas medidas, no entanto, depende do comprometimento da alta direção das organizações, que deve alocar recursos adequados para garantir sua implementação.

A avaliação dos programas de integridade será baseada em sua implantação, desenvolvimento e aperfeiçoamento, considerando a eficácia dos mecanismos adotados e o engajamento da liderança. O decreto também abrange contratações realizadas por administrações estaduais, distrito federal e municipais que utilizem recursos federais, exigindo que cada ente federativo defina a entidade responsável pela avaliação desses programas.

A Controladoria-Geral da União (CGU) tem um papel central nesse processo, com autoridade para editar normas complementares e delegar competências a outros órgãos públicos. Para as empresas, o decreto representa uma oportunidade de se destacarem ao demonstrar o alinhamento de seus programas de integridade com os requisitos legais. A implementação de programas efetivos pode aumentar as chances de sucesso em licitações e fortalecer a reputação das empresas perante a administração pública e financiadores do projeto.

No Brasil, o Programa de Fomento à Integridade Pública e Privada, mais conhecido como “Selo Pró-Ética”, tem sido um instrumento relevante na avaliação dos programas de compliance. Concedido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o selo reconhece empresas e órgãos públicos que se destacam na adoção de práticas éticas e de integridade. Embora o decreto não tenha adotado as normas internacionais ISO 37001 e ISO 37301 como referência, as quais são importantes nortes para as empresas na construção de seus programas, ele permite que a CGU reconheça avaliações realizadas por outros órgãos públicos, desde que estejam alinhadas com os critérios estabelecidos.

Apesar dos avanços, a implementação eficaz dessas normas ainda enfrenta desafios significativos. Um deles é o custo associado à implantação de programas de integridade, especialmente para empresas de menor porte. Há o risco de que a obrigatoriedade resulte em programas meramente formais, sem efetividade prática. Além disso, a fiscalização e avaliação desses programas exigem uma estrutura de profissionais capacitados, algo que ainda é uma lacuna em muitas administrações públicas.

Outro ponto de atenção é o risco de transferência dos custos de transação para a administração pública, especialmente em contratações de menor vulto. A Lei nº 14.133/2021 buscou mitigar esse risco ao tornar o compliance obrigatório apenas em situações de alto risco, como contratações de grande porte e reabilitação de empresas sancionadas. Para outras situações, o compliance funciona como um instrumento de desempate e atenuante de sanções, incentivando a adoção voluntária de práticas éticas.

O Estado do Rio de Janeiro foi pioneiro na implementação de programas de integridade em contratações públicas, ao publicar a Lei nº 7.753/2017. Esta lei exige a adoção de tais programas em contratações acima de R$ 650.000,00 para compras e serviços, e R$ 1.500.000,00 para obras e serviços de engenharia. A iniciativa do Rio de Janeiro serviu de inspiração para outros estados e municípios, que passaram a adotar medidas semelhantes com valores de referência muito inferiores aos da União. Assim, consolidou-se uma tendência nacional em direção a uma gestão pública mais transparente e íntegra. Empresas que participam de licitações estaduais ou municipais, sem recursos da União, devem estar atentas às normas locais.

Um ponto de destaque do referido decreto é a exigência de programas de integridade para consórcios que participam de licitações de grande vulto. Atualmente, no âmbito da União, considera-se contratação de grande vulto aquela com valor superior a R$ 250 milhões. O decreto estabelece que, nos casos de contratação de grande vulto envolvendo consórcios, todas as empresas consorciadas devem comprovar a existência de um programa de compliance próprio.

Essa exigência traz desafios adicionais para as empresas que optam por se associar em consórcios. Nesse sentido, é essencial formalizar previamente com os futuros consorciados que ainda não têm um programa de integridade a necessidade de sua implantação caso o consórcio seja vencedor do certame. Isso pode estar previsto em um Termo de Compromisso de Constituição de Consórcio no contexto pré-licitação e reforçado nas Normas e Procedimentos Operacionais do consórcio posteriormente celebradas entre os consorciados, caso o consórcio se sagre vencedor no certame.

De acordo com o decreto, as empresas que compõem o consórcio e o próprio consórcio terão que ter um programa de compliance. Se ele não for implementado, a administração pública poderá prever sanções, retenções de pagamentos e até a rescisão do contrato. O decreto estabelece um prazo de seis meses, a partir da assinatura do contrato com o ente público, para a implementação do programa de integridade. Para as consorciadas que ainda não possuem esse programa, é essencial se planejarem com antecedência, pois, dependendo da complexidade da organização, esse período pode ser curto para a adequação necessária.

Sim, estamos avançando na regulação do compliance das contratações públicas, mas ainda há muito a ser feito. O Decreto nº 12.304/2024 é um passo importante, mas sua efetividade dependerá da capacidade de implementação por parte das empresas e da administração pública. A evolução contínua das normas e práticas de compliance é essencial para garantir um ambiente de negócios mais justo e transparente, promovendo a confiança e a integridade nas relações entre o setor público e privado.

Nesse contexto, o investimento em compliance não é apenas uma necessidade, mas uma exigência para a sobrevivência e prosperidade das empresas. À medida que avançamos para um futuro mais consciente e responsável, o compliance se torna um pilar fundamental para a construção de um mundo corporativo mais ético e sustentável. A regulação do compliance nas contratações públicas é, portanto, um caminho sem volta, mas que exige comprometimento e colaboração de todos os envolvidos.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

Disponível originalmente no Estadão. Publicado na CompliancePME em 23 de maio de 2025