Incertezas e volatilidade circundam o mundo, tornando difícil acompanhar a evolução das novas tecnologias, de conflitos políticos e recessão econômica. Esse cenário impulsiona as empresas e pessoas a desenvolver novas habilidades, buscar e inovar sobre novas formas de entregar valor aos clientes e parceiros.

Esse contexto desafiador impactou severamente as empresas. Apenas em 2023, quatro empresas foram fechadas por minuto no Brasil enquanto 1.300 delas entraram com pedido de recuperação judicial, segundo pesquisa efetuada pelo G4 Educação com informações colhidas junto ao Serasa.

Para 59% dos líderes, o principal desafio enfrentado é a gestão de pessoas, processos e cultura da empresa, ou seja, o “arrumar a casa”, como foi simbolicamente citado na pesquisa.

É neste momento que a governança corporativa ganha um papel fundamental, para ajudar nessa organização. Entendida como um conjunto de práticas, políticas e sistemas pelos quais uma empresa é dirigida e controlada, ela estabelece as estruturas e processos necessários para garantir que os interesses de todas as partes envolvidas, acionistas, colaboradores, clientes, fornecedores, comunidades e outros stakeholders, sejam atendidos de maneira equilibrada.

O objetivo fundamental da governança corporativa é criar transparência, responsabilidade e equidade na maneira como uma empresa é administrada, algo crucial para garantir a sustentabilidade do negócio e manter a confiança dos investidores e do público em geral.

Como um conjunto de boas práticas, a governança é uma grande aliada da cultura da empresa, ponto crítico apontado na pesquisa retromencionada (G4 Educação) e de maior dificuldade enfrentada pela liderança na gestão das pessoas e dos negócios. No Brasil, a cultura tem influência significativa no exercício de uma boa governança corporativa, tendo em vista algumas práticas e costumes adotados, tais como:

Relações pessoais: assumem um papel importante nas organizações, podendo afetar a forma como as empresas são gerenciadas, com decisões muitas vezes baseadas em relações pessoais em vez de critérios estritamente profissionais. Essa mentalidade colide frontalmente com os princípios de imparcialidade e meritocracia fundamentais para uma boa governança corporativa.

Hierarquia e concentração de poder: o modelo de organização em hierarquia é o mais utilizado, o que até então, não seria um problema. O fato é que este modelo aliado à concentração do poder de decisão nas mãos de poucos líderes, termina por resultar em estruturas de governança corporativa menos democráticas, mais lentas e inflexíveis, com pouca prestação de contas, pouco engajamento dos times, o que pode aumentar o risco em não alcançar bons resultados.

Desconfiança nas instituições e na lei: Ao longo da história, o Brasil tem enfrentado desafios significativos relacionados à corrupção e ao descumprimento das leis e regulamentos. Esses problemas geram uma desconfiança generalizada nas organizações e no sistema legal como um todo e que se estende também ao ambiente corporativo, afetando todos os stakeholders. Como resultado, muitos investidores e parceiros comerciais mostram-se hesitantes em engajar-se com empresas que não demonstram transparência e responsabilidade. Essa desconfiança intrínseca mina a credibilidade dos mecanismos de governança corporativa e pode afetar adversamente o interesse em investir tempo, dinheiro e força de trabalho em tais empresas.

Cultura de complacência e informalidade: A prática “cultura” pode se refletir na maneira como as organizações são administradas, com governança menos estruturadas e rigorosas e comportamentos que terminam por aceitar condutas antiéticas e resistentes a mudanças.

No entanto, é importante ressaltar que a governança corporativa no Brasil tem evoluído ao longo do tempo, com algumas empresas adotando práticas mais transparentes e responsáveis. A regulamentação e as iniciativas de conscientização sobre governança corporativa também têm desempenhado um papel importante na melhoria das práticas empresariais. Portanto, enquanto a cultura brasileira pode apresentar desafios únicos para a governança corporativa, há também oportunidades para o desenvolvimento e aprimoramento contínuo nesse campo.

Diante do desafiador cenário empresarial, a governança corporativa emerge como um pilar essencial para a estabilidade e o crescimento sustentável das organizações. Apesar dos desafios culturais no Brasil, observa-se uma evolução gradual rumo a práticas mais transparentes e responsáveis. No entanto, é crucial que as empresas não se limitem ao cumprimento de requisitos legais, mas adotem uma abordagem estratégica e eficiente para garantir a conformidade e buscar a perenidade empresarial.

Por Cláudia Carvalho – Advogada pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV, com especialização em Direito Securitário pela FGV e em Compliance pelo Insper, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral e em ESG e Governança Corporativa pelo IBMEC. Sócia do Rueda & Rueda Advogados

 

Publicada originalmente no site Jota

Publicado na CompliancePME em 25 de abril de 2024