Conhecido como “garantidor da lei e da ordem” por ajudar no controle da corrupção empresarial, o compliance também se mostra eficiente na proteção da saúde mental dos trabalhadores. Esta foi a conclusão de uma pesquisa realizada na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP que avaliou os afastamentos de trabalho por doença na Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU), de 2016 a 2019.

Compliance, segundo o responsável pelo estudo, o pesquisador Davi Valdetaro Gomes Cavalieri, é um conjunto de procedimentos que guia as organizações por condutas em conformidade com as leis, normas e regulamentos vigentes, inclusive para a gestão interna. As ferramentas do compliance colaboram para um formato estrutural que pode minimizar insatisfações relacionadas à natureza do trabalho.
O estudo constatou um aumento médio de 4% ao ano de afastamento do trabalho motivado por problemas psicológicos, ou seja, faltas prolongadas e recorrentes por parte dos trabalhadores. “Os transtornos mentais e de comportamento se consolidaram como a principal causa do absenteísmo na Procuradoria-Geral Federal nos últimos anos”, relata o pesquisador.

Além disso, as análises e comparações de dados quantitativos e qualitativos deixaram clara a necessidade de reforma na organização do trabalho da PGF. “O absenteísmo encontrado reforça a tese de que se trata de um problema organizacional. É um problema que transcende a condição individual de saúde”, avalia o pesquisador.

“O programa de compliance proporcionou uma metodologia adequada para o gerenciamento dos fatores psicossociais, sejam eles positivos ou negativos”, informa Cavalieri, acrescentando que as ferramentas “permitem um monitoramento contínuo dos programas adotados para melhorar o ambiente de trabalho. Além, também, da possibilidade de usar os programas de compliance como moldes para a cultura corporativa daquela empresa.”

O trabalho de Cavalieri na PGF começou em 2021 com uma pesquisa quantitativa: ele levantou todas as ausências ao trabalho desde 2016. Com os resultados em mãos, o pesquisador partiu então para as entrevistas com os procuradores gerais. O objetivo era conseguir dados qualitativos para “identificar os fatores psicossociais positivos e negativos dentro da instituição”.

O pesquisador argumenta que os problemas estruturais da organização ficaram evidentes pelas entrevistas realizadas com os trabalhadores da PGF ao revelarem, principalmente, insatisfação com a natureza do trabalho. “Um dos tópicos revelados pela pesquisa foi a sobrecarga de um trabalho quantitativo, ou seja, aquele de natureza repetitiva e que não se utiliza da criatividade dos funcionários. A realidade ficou clara, mesmo com a identificação dos trabalhadores com o fruto de seus trabalhos, cumprindo “um papel importante para o estado brasileiro.”

Problema de gestão

Para Cavalieri, o adoecimento generalizado dos trabalhadores é um problema de gestão que deve ser reconhecido e enfrentado. “Os gestores precisam buscar medidas que possam, ao mesmo tempo, mitigar os problemas psicossociais e potencializar os fatores positivos encontrados nos ambientes de trabalho.”

Quanto à escolha da Procuradoria-Geral Federal, Cavalieri conta que queria entender como acontece o adoecimento psíquico nas carreiras da advocacia pública. Segundo o pesquisador, esses trabalhadores normalmente são deixados de lado em pesquisas sobre saúde mental no ambiente de trabalho. “Embora o adoecimento psíquico seja tratado em algumas publicações no Brasil, ainda é muito inicial o estudo desses fenômenos no âmbito da advocacia pública, carreira que está na linha de frente da defesa do estado brasileiro.”

Período pandêmico
Com o trabalho O Compliance como instrumento de proteção da saúde mental do trabalhador, Cavalieri recebeu o título de mestre pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP em 2022, com orientação da professora Maria Paula Costa Bertran. A pesquisa foi realizada durante a pandemia de covid-19, tendo o episódio como um dos responsáveis pela escolha do tema. “Além do impacto vivido pela sociedade em si, houve efeito direto da covid no ambiente de trabalho. Seja pelo isolamento social experienciado pelos trabalhadores, seja na vida daqueles impossibilitados de adotá-lo devido à natureza do seu trabalho”, conta o pesquisador.

O momento pode ter sido atípico para a realização da pesquisa, mas, segundo Cavalieri, o teletrabalho não atrapalhou na coleta de informações, uma vez que “os dados coletados se encaixam tanto no contexto do teletrabalho como no presencial”. É que as questões envolvidas, os fatores psicossociais, “são encontradas nos dois regimes de trabalho.”

Mais informações: e-mail davi.cavalieri@agu.gov.br

* Sob supervisão de Rita Stella

 

Publicada originalmente no Jornal da USP

Publicado na CompliancePME em 14 de julho de 2023