As empresas brasileiras poderão denunciar em um canal específico atos ilícitos de membros do poder público, como pedidos de propina. O Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês) lançam um sistema para que sejam reportadas abordagens indevidas de agentes públicos.

Todo o processo é feito pela internet. A partir de uma página no site da ICC, o denunciante preencherá um formulário com informações básicas, como CNPJ ou CPF, e relatará o caso. Se o denunciante preferir, a queixa pode ser anônima. Nesse caso, porém, não será possível que ele acompanhe o andamento da manifestação.

“Notamos que, em muitos casos, as empresas deixavam de denunciar agentes públicos por não saber a quem procurar ou por medo de retaliação ” , diz Gabriella Dorlhiac, diretora-executiva da ICC. Segundo ela, com o sistema, as denúncias serão enviadas diretamente ao Ministério da Justiça, que garante o anonimato do denunciante.

O canal será alocado dentro do sistema de ouvidoria e de acesso à informação do governo, chamado de “Fala.BR”. A ICC não terá acesso aos dados. As informações só poderão ser acessadas pela Ouvidoria-Geral do Ministério da Justiça, que analisará e encaminhará as demandas aos órgãos investigação, como Polícia Federal ou Ministério Público Federal.

Pela Lei nº 13.460 de 2017, a Ouvidoria-Geral tem prazo de 30 dias, prorrogável de forma justificada por igual período, para encaminhar o resultado da análise preliminar para o denunciante. “Em média, o retorno é dado em 20 dias”, diz Ronaldo Bento, ouvidor-geral do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A recomendação de Bento é que os relatos sejam feitos com clareza e com o maior número de detalhes. “Avaliamos a relevância, os indícios de materialidade e de autoria antes de encaminhar para investigação.”

A ideia de criação do canal de denúncias surgiu após uma reunião entre a direção da ICC e o ministro Sergio Moro em março de 2019. “Na ocasião, mostramos ao ministro uma pesquisa que apontava o aumento do número de empresas que adotam práticas de controle e conformidade. Ele então nos questionou porque, mesmo com a adoção de práticas de compliance pelas empresas, o Brasil estava piorando em rankings de percepção de corrupção”, diz Carlo Verona, advogado e membro da comissão anticorrupção da ICC.

A explicação dada a Moro foi a de que, apesar dos mecanismos de controle terem sido implementados pelas empresas, muitos executivos ainda eram abordados indevidamente por agentes públicos e, em muitos casos, não sabiam a melhor maneira de se protegerem . “O pacto federativo estabelece que quem tem o trabalho de investigar uma suposta violação é a autoridade com maior hierarquia e poder investigativo sobre aquele servidor público”, afirma Verona. “Só que, em algumas situações, a própria autoridade pode ter ciência do esquema de corrupção, o que inibe a realização da denúncia.”

Após a conversa, Ministério da Justiça e ICC assinaram um memorando de entendimentos para criar o canal. Segundo Verona, esse é o primeiro passo da cooperação com o governo para prevenir corrupção. Ele afirma que um tema a ser estudado é a possibilidade de, assim como em casos de cartel, as linhas de defesa da companhia, como auditoria e compliance, possam fazer denúncia prévia ao detectar riscos.

Fonte: Valor

Publicado na CompliancePME em 30 de janeiro de 2020