Por Sonia Consiglio Favaretto
SDG Pioneer pelo Pacto Global da ONU e especialista em Sustentabilidade

 

Tenho usado muito a expressão “Leitura de Cenários” como habilidade fundamental para o líder que precisa se (re)posicionar nesse novo mundo que foi invadido pelo ESG (aspectos ambientais, sociais e de governança corporativa, na sigla em inglês). Nessas minhas leituras, percebo forte movimento dos profissionais de Compliance querendo entender as conexões com ESG.

Esses contextos se somam, se excluem, se fortalecem, competem? Primeiro, vamos ao conceito. “Compliance” vem do verbo em inglês “to comply”, que significa estar em conformidade com normas, leis, regulamentos, políticas e diretrizes. Essa é, portanto, a estrutura corporativa que zela por tudo isso e pelas relações éticas em negócios e instituições, explicitadas em códigos e princípios.

Para um melhor entendimento da dinâmica com ESG, é preciso que concordemos com o fato de que nenhuma função, atividade ou responsabilidade é estática. Por isso, tanto tem se falado do “Beyond Compliance”, ou seja, de como essa atividade deve ir além do cumprimento de regras (que é, obviamente, absolutamente necessário).

Recentemente participei da “Semana de Compliance” de uma grande empresa brasileira, tendo a alegria de dividir o painel com a companheira de jornada e uma das referências em sustentabilidade, Clarissa Lins. No momento em que falávamos sobre esse “ir além”, concluímos o que se espera desse/a profissional: “Influenciar discussões, antecipar tendências, ser protagonista dos movimentos empresariais que estão por vir”. Ela/e deve agregar análises críticas ao seu escopo de atender requisitos, considerando os aspectos ambientais e sociais, além dos de governança. De novo, habilidade de “leitura de cenários”. Falar é fácil. Mas, como fazer tudo isso? Três dicas preciosas: formule boas perguntas, não se limite à sua caixinha e tenha “coragem corporativa”, conceito de Jim Detert, que também palestrou nesta Semana e tem grande produção a respeito, incluindo o livro “Choosing Courage”.

A 5ª Edição da Pesquisa “Maturidade do Compliance no Brasil – Beyond Compliance”, recém-lançada pela KPMG e realizada com 55 empresas, traz dados interessantes. O título da Introdução, “A nova responsabilidade corporativa: o que governança, compliance e ESG têm em comum”, aponta de forma límpida: “No que se refere ao Compliance, é inegável que o ‘momento do ESG’ não o substitui nem o torna anacrônico. Ao contrário: reafirma a sua importância e consolida sua necessidade para que as empresas mitiguem riscos e criem valor, de modo que os profissionais de Compliance devem estar atentos ao seu relevante papel de auxiliar os empregadores e terceiros também no que se refere ao ESG”.

E segue: “São muitos os pontos de intersecção entre Compliance e ESG. O mais óbvio é o de que dividem premissas fundamentais, sendo impossível existir uma empresa com boas práticas de ESG que aceite se beneficiar de transações não ortodoxas (por exemplo: corrupção), abrir caminho para a discriminação em seus quadros ou tolerar o assédio, entre outros desvios de conduta”. E eu sublinho a conclusão: “É impossível que se tenha um programa de ESG sem que exista um bom programa de Compliance”.

A pesquisa ainda nos ajuda com exemplos concretos de como casar essas duas agendas:

  • As rotinas, ferramentas e metodologias utilizadas nos programas de Compliance podem e devem auxiliar na construção de práticas ESG mais efetivas;
  • O controle e verificação da gestão de fornecedores e prestadores de serviços feito por Compliance é central na agenda ESG;
  • Outro elemento crucial da gestão da sustentabilidade é a identificação e combate à corrupção, com atuação efetiva sobre as iniciativas internas.

Chamo a atenção para mais uma similaridade. Um dos principais desafios de Compliance, segundo a pesquisa, é “Integrar a área com as demais áreas de negócios”, votado por 82% dos respondentes em quarto lugar. Ora, não é disso também que se queixa frequentemente, e há muito tempo, o pessoal da sustentabilidade? O que me leva a pensar que devemos, mais do que nunca e urgentemente, buscar a visão holística e transversal desses temas, incorporando-os de fato à estratégia e modelo de gestão e não os tratando como estruturas estanques.

Talvez a melhor forma de alcançarmos essa transversalidade, que abra mão de siglas e letras, seja tomarmos por base os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: 17 Objetivos, 169 Metas e 231 Indicadores de uma agenda consensada por todos os países-membros da ONU em 2015, a ser atingida até 2030, que sinaliza os nossos basilares desafios como mundo. Está tudo lá: E (ambiental), S (social), G (governança), C (compliance), E (ética), I (integridade)… No bojo dessa nossa conversa, destaco o ODS 16:

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

É disso que estamos falando, no fim do dia: de sociedades e instituições que funcionem na sua plenitude, cumprindo o seu papel e permitindo, de fato, um desenvolvimento sustentável. Por nós e pelos que virão depois de nós.

Originalmente publicado no Valor Investe

Publicado na CompliancePME em 21 de outubro de 2021