Christian Fernandes Gomes da Rosa*

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, nº 14.133, de 1º de abril de 2021, faz referências a Programas de Integridade, um instituto jurídico cuja estrutura foi positivada no Decreto nº 8.420/2015, que regulamentou a Lei Anticorrupção Brasileira – Lei nº 12846/2013.E segundo aquele regulamento, nos termos de seu artigo 41, tem-se que:

[…] programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Conceitualmente, o direito brasileiro incorporou dessa maneira uma prática organizacional privada, voltada ao controle de riscos de fraudes e corrupção, criando assim incentivos para que pessoas jurídicas sujeitas à Lei Anticorrupção pudessem adotar os mecanismos de mitigação de riscos e monitoramento interno aptos a coibir e tratar eventos indesejáveis nas contratações com o poder público. Desta forma, pessoas jurídicas capazes de demonstrar a implementação de um Programa de Integridade, já encontravam na Lei nº 12.846/2013 benefícios como a redução da multa aplicada para eventual infração às disposições da norma, conforme previsão do seu artigo 7º, inciso VIII e parágrafo único.

Muito embora regulamentado desde 2015, o instituto do Programa de Integridade ganhou alguma notoriedade e muita relevância estratégica para grandes corporações brasileiras no curso da celebração de importantes acordos de leniência, especialmente a partir de 2018. Com efeito, a implantação de um Programa de Integridade tornou-se um requisito obrigatório para pessoas jurídicas que, tendo cometido atos lesivos à administração pública, desejassem colaborar com as investigações e transacionar com autoridades competentes a fim de encerrar processos administrativos de responsabilização (“PAR”), cujas sanções podem alcançar até 20% do faturamento bruto da pessoa jurídica, ou R$ 60 milhões de reais, quando não for possível aferir o faturamento.

Considerado esse contexto, não é surpresa que a nova Lei de Licitações tenha se valido desse instituto, já relativamente consolidado no cenário jurídico brasileiro, para buscar a melhoria do ambiente de negócios entre a administração pública e o setor privado.

Referências ao Programa de Integridade podem ser encontradas no artigo 25, §4o, como exigência ao licitante vencedor, em caso de contratos de grande vulto, acima de R$ 200 milhões. No artigo 60, inciso IV, como um dos critérios de desempate de propostas em certames. No artigo 156, §1o, inciso V, como um critério a se considerar na aplicação de sanções por infração à Lei nº 14.133/2021. E no artigo 163 como requisito de reabilitação a sancionados, de maneira muito assemelhada à exigência que se faz às pessoas jurídicas subscritoras de acordos de leniência.

O emprego desse instituto pelo legislador na nova norma de licitações amplia a sua relevância no direito público brasileiro e parece sinalizar claramente o entendido de que um Programa de Integridade, implantado de acordo com requisitos regulamentares e instruções dos órgãos de controle, constitui uma ferramenta útil de governança e boas práticas, capaz de promover a regularidade no âmbito das relações público-privadas.

Sua estruturação e operação, no âmbito das pessoas jurídicas de direito privado, deve se pautar pela observância das exigências apresentadas nos artigos 41, parágrafo único, e 42, incisos, ambos do Decreto nº 8.420/2015.

Necessariamente, o Programa de Integridade deve ser estabelecido como um conjunto de controles para riscos identificados, especificamente, nas operações da pessoa jurídica. Sua eficácia prática e validade, para atendimento também da nova Lei de Licitações, exige uma demonstração de pertinência e razoabilidade entre os riscos de fraudes ou suborno identificados na operação da entidade privada e as regras internas e procedimentos adotados para mitigar a frequência ou a magnitude do impacto dos eventos coibidos pela norma brasileira.

Nesse esforço pelo cumprimento das indicações e determinações agora também da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, as pessoas jurídicas devem se atentar igualmente às diretrizes e requisitos publicados pelos órgãos de controle que, junto às normas técnicas internacionais sobre o tema, são ferramentas fundamentais para que organizações privadas implantem e operem um adequado Programa de Integridade, assim instituído como efetivo sistema de gestão dos riscos de lesões à administração pública.

*Christian Fernandes Rosa é mestre pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e mestre em Economia pela Université Paris 1 Pantheón-Sorbonne. Especialista em Direito Econômico pela FGV (Fundação Getulio Vargas). Graduado em Direito pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).

 

Publicada originalmente na Agência Infra

Publicado na CompliancePME em 23 de setembro de 2021