Diante de esforços globais relacionados à regulamentação, com novas regras e padrões surgindo em um ritmo cada vez mais rápido, o complianceSubstantivo advindo do verbo to comply (agir de acordo, cumprir, obedecer). Estado de estar de acordo com as diretrizes ou especificações estabelecidas pela lei ou regras, políticas e procedimentos de... das empresas tem sofrido grandes pressões, especialmente das companhias de capital aberto. Mas os profissionais da área acreditam que essa pressão deve aumentar ainda mais nos próximos anos, segundo uma pesquisa Global de CCO(Chief Compliance Officers) da KPMG.
Pelo levantamento, 84% dos executivos acreditam que suas empresas provavelmente enfrentarão expectativas regulatórias cada vez maiores nos próximos dois anos, com a maior pressão vindo de clientes, reguladores e políticas sociais/percepção pública. Já 34% dos profissionais veem os novos requisitos regulatórios como o maior desafio para seus esforços de conformidade.
Além da regulamentação, entre os desafios enfrentados pelo compliance, estão questões como análise de dados e monitoramento de riscoQuantificação e qualificação da incerteza, tanto no que diz respeito a perdas quanto aos ganhos, com relação aos acontecimentos planejados. É um desvio em relação ao esperado. É uma incerteza..., menor envolvimento do Conselho das companhias e a implementação tecnológica.
Na avaliação de Emerson Melo, sócio líder da prática Forense da KPMG no Brasil e colíder na América do Sul, tanto no Brasil quanto no exterior “caímos na mesma seara”, com os profissionais de compliance tendo que se reinventar nos últimos anos, não apenas com o lançamento da Lei AnticorrupçãoLei nº 12.846 / 2013): Conhecida como a Lei Anticorrupção e , no exterior , como The Clean Company Act ( Lei da Empresa Limpa ) promulgada em 1º de agosto..., com diversos enforcements publicados pela SEC(SEC): É a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, é uma agência federal independente de regulamentação e controle dos mercados financeiros. É semelhante a CVM, no Brasil. (CVM americana) e pelo mercado brasileiro, mas com a revisitação de alguns temas que antes não eram de seu dia a dia. Crimes financeiros, fraudes e denúncias de assédio deram espaço também às questões ESGESG é uma sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português). Geralmente, ela é usada para se referir às práticas ambientais, sociais e de... (ambiental, social e governança), como prevenção ao greenwashing e preocupações com trabalho escravo.
Com isso, a gestão do ecossistema de terceiros também se tornou latente. A avaliação de cliente (Know Your Customer(KYC): “conheça seu cliente”. É uma estratégia para avaliar o risco do perfil de cada cliente antes da sua validação como cliente. É muito usado para a concessão de crédito... – KYC) e dos fornecedores, de todo esse ecossistema e o tipo de risco que essa terceira parte poderia trazer para o negócio, assim como analisar os empregados dentro da operação, ganhou mais visibilidade.
“No final do dia, é governança e gestão de riscos que preciso ter, e aqui precisamos olhar todo o ecossistema corporativo, desde o conselho de administração, comitês existentes, de assessoramento ao conselho de administração. Eles precisam estar 100% engajados e comprometidos com as metas de compliance da organização”, diz Melo, citando que os principais aspectos a serem aprimorados são a governança e a cultura. “Nós temos alguns desafios relacionados à governança, ainda falta maturidade nas organizações para trazer esse enforcement ao profissional de compliance para que ele, de fato, se dedique aos temas específicos e ajude as organizações a atingirem seu objetivo estratégico.”
Também há uma limitação das empresas em relação ao orçamento utilizado. Na média, o budget de uma empresa brasileira, nas pesquisas da KPMG desde 2013, é de R$ 500 mil por ano. “É um orçamento, na média, muito baixo. Você tem os outliers, que beiram em torno de 10% da nossa pesquisa, acima de um milhão, mas o número sempre puxa para baixo”, comenta Melo. “Um outro ponto que conseguimos observar é que o compliance, tanto na pesquisa global quanto na que iremos lançar na perspectiva Brasil, não ocupa uma posição estratégica. Isso é um desafio gigantesco também.”
Regulamentação desafia
Dentro das pressões regulatórias, a maior preocupação está relacionada ao tema ESG, que tem surgido com força ao redor do mundo, mas não é a única. “É muita coisa, muita regulamentação. Como é que eu vou conseguir estruturar e estar aderente a tudo isso, sem uma área robusta, sem ajuda de uma inteligência artificial?”, indaga Roberta Carneiro Foppel, coordenadora da comissão ÉticaConjunto de ações normativas que guia o comportamento de uma organização ou de um indivíduo, estabelecendo boas relações sociais. A ética é o estudo da moral. na Governança no Instituto Brasileiro Governança CorporativaÉ o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e... (IBGC).
As empresas de capital aberto tendem a ter uma exposição maior a esse tipo de risco dadas as suas publicações, não só de relatórios de sustentabilidade, GRI, mas como o relatório integrado e as demonstrações financeiras e, por isso, parecem mostrar mais maturidade no assunto.
“Considerando as grandes empresas, principalmente as que estão no Novo Mercado, a gente tem, cada vez mais, visto um fortalecimento da área. Temos aumentado, e muito, a maturidade no que tange a própria área e, hoje, o principal ponto trabalhado, inclusive, nessas áreas, nas grandes e médias empresas, vistos como um ponto de evolução muito grande, é a aderência a uma cultura de conformidade, a uma cultura ética”, aponta Roberta.
Embora tenha se desenvolvido ao longo dos anos, o compliance precisa amadurecer e muitas vezes acaba não ocupando a posição que deveria dentro das empresas, especialmente entre as menores. Para as companhias abertas, surgiram iniciativas como a última revisão do Novo Mercado da B3, que trouxe a obrigatoriedade de estruturas de auditoriaÉ um processo de verificação e análise de atividades desenvolvidas por uma determinada empresa. O seu objetivo principal é examinar se elas estão de acordo com o que foi planejado... interna, risco e compliance. Embora mostrem a evolução da visão da área, também evidenciam o “gap” que há entre as instituições.
“É muito desigual. Tem uma grande diferença de maturidade entre elas. Mas, no geral, todas têm que evoluir nas suas áreas de compliance no sentido de serem mais proativas e menos reativas”, explica Cristiana Pereira, sócia fundadora da ACE Governance, consultoria especializada em governança e mercado de capitais. “Menos uma questão só de cumprir a regra, por mais que também seja complexo, mas de criar um ambiente de antecipação, criar uma cultura de integridadeConjunto de escolhas que estejam em sintonia com as crenças pessoais e os valores da empresa, prezando pela ética nas tomadas de decisões., de atendimento, não só das normas externas, mas também dos procedimentos internos.”
O setor de empresas que mais sofre em relação ao compliance é aquele que tem que passar pelo maior nível de transformação e, naturalmente, pesa o nível de regulamentação. Quanto mais regulado, e à longa data, maior a sua maturidade, supostamente, em relação a esse ambiente. No Brasil, o desafio tende a ser maior, porque o país leva mais tempo para se adequar dada a falta de políticas públicas anteriores ao movimento de outros países. “Em termos de setores, eu diria que depende um pouco de políticas públicas. E o outro, setores menos regulados, para não carimbar um específico, terão um desafio maior”, ressalta Melo.
Roberta observa que há um intenso e frequente aumento de ações que regulamentam determinados setores ou o mercado como um todo. Obviamente, as empresas de capital aberto têm passado por uma incidência maior, porque nos últimos dois anos a Comissão de Valores MobiliáriosComissão de Valores Mobiliários (CVM): órgão responsável por fiscalizar o mercado de valores mobiliários no Brasil. (CVM) editou uma série de resoluções, algumas provocadas, inclusive, por um movimento da própria B3 para robustecer e proteger os investidores.
“A gente viu o crescente movimento de ESG e isso se justifica. E o que é que acontece? O investidor quer ver se aquelas organizações realmente estão aderindo às práticas ambientais, sociais e de governança, só que isso é muito vago. Para evitar todos os washings, eu preciso ter isso de uma forma demonstrada, clara, com métricas, com qualidade de dados”, aponta Roberta, citando os esforços dos órgãos reguladores.
Segundo ela, outro setor que também tem sofrido bastante influência é o mercado financeiro, pela mesma lógica de fortalecer as apresentações e dar qualidade aos dados apresentados, apontando a adoção ao padrão ISSB, por exemplo, e o setor agrícola, que tem passado por uma série de transformações, muito pressionado pelo Pacto Verde Europeu.
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Capacitação é importante
Para mitigar os riscos diante de tantas regras, as empresas têm reforçado as apostas em capacitação. “Conseguimos observar que há uma preocupação até de treinamento, seja do lado dos órgãos de governança, para que entendam o que é o compliance, qual é o seu papel, como que eles podem monitorar essas questões a partir da diretoria, especialmente do conselho e do comitêGrupo de pessoas escolhido para análisar assuntos específicos, podendo ser composto por membros externos da empresa;, mas também como capacitar as pessoas”, diz Cristiana.
Embora atuem com consultorias ou próximas à órgãos como o IBGC, ainda falta efetividade no programa de complianceNo Brasil também conhecido como "programa de conformidade” ou "programa de integridade" , é o modelo para estruturação e aplicação de ações dentro de uma organização visando o cumprimento das... das organizações. Muitas possuem canal de denúnciaÉ uma ferramenta aliada ao cumprimento do programa de compliance definido pela organização. Trata-se de um canal no qual seus clientes, colaboradores, parceiros e funcionários podem realizar a comunicação de..., mas não uma solução para monitorar todo o ecossistema de terceiros. “Além disso, sobre o quão próximas as empresas são dos seus reguladores, esse tema aqui no Brasil ainda tem uma baixa maturidade. Talvez pelo nosso ambiente, talvez pela pressão, a forma como esses temas são divulgados também nas mídias não são bem-vistos”, analisa o sócio líder da prática Forense da KPMG no Brasil e colíder na América do Sul.
Na visão do especialista, o grande divisor de águas para o compliance será o investimento em tecnologia. “É um caminho sem volta e quem não fizer o investimento agora vai ficar para trás. Se eu pudesse destacar agora, depois de tudo aquilo que falei, investimento em tecnologia para ajudar você a identificar, ou mapear, identificar e responder de forma adequada os riscos é fundamental.”